Há tempos que percebi isso, mas é daquelas coisas que se
tenta negar veementemente até que não se consegue mais. Não vem como uma epifania,
ou uma Gestalt, ou qualquer nome esquisito que queiram dar para aquela
compreensão imediata de algo obscuro. Está lá desde sempre, você percebe, mas
tenta ignorar até que os fatos se provam irredutíveis e não há o que fazer
senão aceitar que a verdade é desse jeito mesmo, não tem significados ocultos
que possam mudar os sentidos.
Fica mais evidente ainda quando ocorre em larga escala, no
sentido de que atinge não apenas a você, mas a grupos inteiros dos quais de
alguma forma você pertence e que entram em evidência por algum motivo global
que o coloque definitivamente no centro das atenções. Sempre tem aqueles
momentos em que os olhares ficam mais intensos, então é Natal, e Ano Novo
também, um avião que cai com um grupo inteiro reunido, uma guerra, um muro a
ser construído, uma lei desleal, um projeto pronto para cair, símbolos e mais símbolos
que se alinham a meses e cores, a bandeiras e sabores, qualquer agrupamento que
se possa condicionar e lixar as arestas pela habilidade de reducionismo
simplista.
Então, quando menos você espera, naquele momento em que
suas defesas estão baixas o suficiente para ser atingido em cheio, vem aquela
compreensão de que não dá mais para fugir daquela voz que lhe vaticina sem
piedade: Estão tramando a sua felicidade.
Nesse momento percebe em quantas armadilhas caiu ao longo
dos tempos, nos singles que lhe diziam que liberdade era uma calça velha, azul
e desbotada, que você poderia usar do jeito que quisesse. E você tinha que ter
uma calça assim, ou não seria livre. Tinha que usar o fator de proteção solar
50 para evitar a velhice precoce, comer frutas, tomar três litros de água por
dia, fazer esportes, escrever todos os dias, amar ao próximo e ao próximo depois
dele, mas com toda a intensidade do presente. Tem que ter uma paz interior, ir
visitar o interior, conhecer o campo, a praia, aquele país paradisíaco,
fotografar todos os instantes que não voltam mais e divulgar nas redes sociais
que está feliz, finalmente, para que lhe deixem em paz.
Pegue o espelho e sorria, tente de novo, e outra vez, vá
treinando a pose que fará no próximo selfie do seu amigo ou amiga que tem que
registrar como foi pleno o encontro de vocês, mesmo que não se lembre de nada
do que falaram, do momento em si. A imagem vai lhe dizer que deve ter sido
muito bom e que devem repetir isso mais vezes. Alie-se a uma causa, seja
solidário, viver sozinho é bom quando se sente bem consigo mesmo, não há
tristeza quando se tem uma família feliz, mesmo que os laços sanguíneos não definam a
sua família e sim a lealdade que sentem. Quer um cachorro ou gato? Não há
amigos mais leais que eles, e você deve ter um e ama-lo, sofrer por eles,
chorar pela celebridade que morreu, ser humano de alguma forma que deixe
marcas. Tem aquelas famosas que ficam bem na foto e no shopping.
Não reclame, comerciais, um novo programa, você não vai? Como
assim? Você não está sozinho, acredite em mim. Vou tocar uma música que você
vai gostar, posso lhe chamar assim? Respeito o seu espaço, o seu direito de
ser, desde que não entre em conflito com o que é meu, porque sei o que é melhor
para você, não está vendo? É para o seu bem. Você ainda não entende, mas um dia
vai perceber que foi melhor assim.
Seja dócil, levante-se e lute, não aceite opiniões
formadas, explique melhor, não me venha com esse textão de novo, acredite em
você, tenha momentos felizes, seja radical, compreenda o outro lado, você não
sabe como é ser assim se não for também, relaxe, faça alguma coisa, divirta-se,
descanse, dance, cante, grite, silêncio!! Espera, vou te mostrar como se faz.
Tem sempre alguém tramando a minha felicidade.
Notei isso há algum tempo, mas não queria acreditar. Não dá para justificar
mais, é um fato consumado e agora vou ter que lidar também com essa
consciência, enlouquecer ou ser tão antipático que ninguém mais vai querer o
meu bem, muito pelo contrário. E quem sabe, então, poderei descobrir o que me
faz feliz de verdade. O que posso fazer por você hoje?
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