terça-feira, 8 de novembro de 2016

O Sábio e as Facas - Danny Marks


           Em tempos difíceis todo mundo procura um Guru para poder se orientar e fugir dos problemas. Até mesmo os Gurus procuram Gurus para serem mais sábios ainda, não poderia ser diferente comigo.
          Um amigo me indicou um, que ele dizia ser um Sábio incomparável, e fui verificar essa preciosidade in loco (isso quer dizer “no local” não que esteja louco, como me afirmaram algumas vezes), afinal tenho um “pé” de administrador que adora esse tipo de coisa.
          Logo de cara já vi que o “incomparável” podia ter muitas interpretações possíveis, uma delas era que o cara tinha uma quantidade absurda de facas que ficava atirando contra um alvo. Mas quem está no inferno é para se queimar, ou algo do gênero, portanto parti para as perguntas que tempo é dinheiro e nesse caso, bem caro. Por falar nisso é estranho dizer que há um “custo do dinheiro” que ultrapassa o valor necessário para produzi-lo, mas não vamos divagar.
          “Sábio mestre, o que me dá de orientação para melhorar os meus caminhos? ” Uma faca foi atirada no centro do alvo sem que recebesse resposta. Melhor perguntar de outra forma, vai que não tinha entendido direito o meu questionamento, não que um guru não saiba interpretar algo tão simples, mas é que eles gostam de objetividade. “Grande Guru, que caminhos devo seguir para alcançar o meu objetivo pleno? ” Diversas facas foram atiradas ao mesmo tempo, e algumas até atingiram o centro do alvo.
          Caramba, estava pagando uma fortuna por essa entrevista e não estava levando nenhuma palavra? Essa coisa de Guru até que é um investimento bom de carreira, não dá trabalho nenhum, anotei para fazer um curso de como virar um guru em dez lições. Se mudo o cara ganha uma puta grana imagina eu que falo até pelos cotovelos, expressão usada para provar que tenho idade suficiente para ser um velho guru, isso faz toda a diferença. Mas estava disposto a arrancar alguma coisa pelo dinheiro gasto, além de lascas de madeira.
          Usei todo o meu conhecimento do assunto para poder formular a questão de forma que não admitisse qualquer dúvida ou interpretações furtivas, que pudessem se apresentar. Essas armadilhas e enganações de retórica usada a título de argumentação e que só servem para não dizer nada, e muito menos se comprometer com alguma coisa, não me atingem. Comigo tem que dizer as claras, assumir o risco de, depois, ser questionado nas afirmações e ter que sustentar os argumentos que apresentou ou se retratar.
          Depois de algum tempo consegui organizar as palavras de forma irredutível, clara e concisa, como tem que ser para se obter exatamente aquilo que se quer. Levei anos para descobrir como evitar dar respostas desejáveis nas entrelinhas da pergunta e assim impedir que charlatões usassem o meu desejo como fonte para sua resposta. Disparei de forma certeira.
          “Grande Mestre e Sábio Guru, demonstre para mim como alcançar o alvo de forma eficaz, sem que haja qualquer possibilidade de erro. ” Já estava até sorrindo por dentro, gargalhando na verdade. Comigo é assim! Tinha encurralado aquele cara de um jeito que não poderia fugir, estava ganha a batalha. Conhece o teu inimigo, dizia um outro guru em algum lugar que frequentei há tempos, não me lembro do resto, mas isso não importa agora.
          O homem apenas levantou com a última faca nas mãos e foi caminhando até o alvo, cravando-a firmemente no centro do alvo enquanto me olhava com uma intensidade que faria qualquer fã de filmes de terror ficar apaixonado, contanto que não estivesse dentro da tela, como eu. Depois passou a tirar uma a uma as que havia lançado antes, com uma calma sistemática que só os grandes mestres conseguem demonstrar diante dos mais complexos problemas.
          Tenho que reconhecer, o cara era bom mesmo. Fui embora sem dar as costas para o Sábio da Facas, agora reconhecido em sua extrema potência de ser, já me sentindo iluminado pela experiência transcendental que me encheu de humilde temor diante de tão agudas assertivas, que preferia manter a vista e não incrustadas no meu ser. Não há nada como provas materiais para embasar argumentações e criar fortes convicções de que há momentos em que a vitória não é certa, mas a sobrevivência é necessária. Nem preciso ser especialista em análise de discurso para saber disso, não é mesmo?

          Quanto ao meu ex amigo, estou só esperando um bom momento para demonstrar o quanto aprendi com a sua indicação e apresenta-lo a maravilhosa lei do retorno das nossas ações resgatando com dividendos a sua contribuição para a minha causa na busca do aperfeiçoamento constante. De que adianta adquirir um autoconhecimento se não para usá-lo com os outros. Acho que realmente tenho um grande futuro nesse negócio de guru, até já encomendei as melhores facas do mercado.

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