Por
que os vilões não podem simplesmente ter um final feliz?
Essa
é uma questão que tem me incomodado há muito tempo, como escritor, como leitor,
como pessoa. Por isso mesmo tenho investigado os diversos argumentos, das mais
variadas fontes, e descoberto uma intrigante teia de relações que ultrapassam
limites, como qualquer boa história.
Não
vou fazer um resumo de anos de pesquisa, ou tentar chegar a alguma conclusão,
se é que existe algo do tipo neste caso, mas não posso mais me furtar a,
talvez, fazer um protesto contra o que tem se tornado uma tendência: Finais
Felizes para Ex-Vilões.
Ok,
nada contra a boa e velha política de que as pessoas que se redimem devem ser
perdoadas nos instantes finais antes de morrerem por uma boa causa, não importa
o quão mal tenham feito antes desse fatídico instante. Aconteceu em uma galáxia
distante algo do tipo, não é mesmo? Por que não poderia acontecer aqui mesmo,
ali na esquina ou em um cinema perto de você? Afinal o que as pessoas querem
quando vão assistir um filme em que há heróis é que no final, no mínimo, o
vilão se redima e pague por seus erros, não é mesmo?
Engraçado
que há uns trinta, quarenta anos atrás, vilão bom era vilão encarcerado,
privado de toda a sua capacidade de exercer a maldade. Ou, quando sua existência
se tornasse por demais ameaçadora, desaparecesse em um canto obscuro do
universo ou provocasse a própria morte.
Ah,
havia as exceções, os pistoleiros do Oeste Selvagem que simplesmente morriam
sob as balas rápidas e certeiras da justiça em duelos impossíveis onde a
vantagem numérica sempre estava ao lado do bandido.
Bom
mesmo era ser o “mocinho”, sinônimo de bondade, gentileza, lealdade, justiça,
mesmo que tivesse lá seus cinquenta e todos anos e, portanto, não tão moço
assim.
Houve
um tempo em que era preciso escolher um lado, ou se era totalmente bom e
incorruptível, ou o inimigo capaz dos maiores e mais elaborados planos
perfeitos que estavam fadados ao fracasso apenas porque estavam a serviço do
mal.
Então
começaram a surgir os vilões não tão malévolos assim, e ao lado deles, os
heróis não tão incorruptíveis. A era dos “anti-heroi” derrubava o maniqueísmo de
Bem X Mal e tornava os tons de cinza mais atraentes que algemas de veludo. Não
bastava ser mal, tinha que ser bonito, charmoso, elegante, sedutor e,
principalmente, ter um bom motivo para andar no lado negro da verdade para
resgatar a beleza, punir as verdadeiras criaturas do submundo e ainda, de
quebra, sair antes dos aplausos.
E
ainda assim, os vilões não alcançavam os finais felizes. Mesmo sendo heróis
sombrios, tinham que viver suas vidas amarguradas, lutando para sobreviver até
mesmo daqueles a quem protegiam nas sombras; corrompidos, mas jamais
corruptores.
Até
que, provavelmente, o Conselho dos Vilões reclamou dessa trágica sina onde,
salvo raras exceções, com o perdão do trocadilho, o vilão se dava mal.
Levada
a petição do politicamente correto ao mais alto escalão da justiça, reclamando os
direitos da mais sagrada lei da verossimilhança, que deveria imperar nas
histórias acima de qualquer suspeita. Apresentada como prova fatídica os
clássicos onde o leão devorava cristãos sem ser massacrado por isso, o lobo que
devorava incólume a chapeuzinho e a vovozinha, por gerações. E que história é
essa de beneficiar o ladrão que roubou o gigante que estava em sua casa
tranquilamente, e ainda leva a fama de herói? E o príncipe que se aproveitava
da moça adormecida por encantamentos mágicos? Isso estava errado. Se é para
acabar com a violência fictícia, então é necessário que a violência de verdade
deixe de existir, afinal as histórias são baseadas na realidade, extraídas como
advertências, produzidas para trazer reflexão e envolvimento com a sina
daqueles que estão expostos a todos os problemas do mundo, reais, imaginários,
emocionais ou psicológicos.
Seria
simples se a arte imitasse a vida, mas a verdade é que há uma inter-relação
entre as duas. Tanto a arte influência a vida, quanto a vida influência a arte,
é uma via de mão dupla que não pode ser simplesmente manipulada, pois é frágil
quando se tenta omitir ou torcer, mas é forte para nunca desaparecer
completamente ou se corromper.
Os
vilões ficaram menos maléficos, suas atitudes perversas passaram a ser
justificadas por falhas ou enganos do passado, alguns até conseguiram por algum
tempo um pouco de alegria para suas vidas amargas, mas só pelo tempo de
descobrirem quem eram de fato. Os heróis deixaram de ser tão encantadores e
passaram a ter traços mais... humanos, por assim dizer, afinal quem é perfeito,
não é mesmo? Os fins deixaram de justificar os meios, mas os meios nem sempre
terminavam em fins, ainda mais felizes.
E as
coisas ficaram extremamente complicadas, ao ponto de, muitas vezes, não
sabermos se devemos acreditar naquele que parece ser bom, embora feio, porque
pode ser que na verdade o que parece ser malvado e bonito é que realmente é o
herói, mas ainda não pode se revelar por conta das terríveis manipulações dos sedutores
agentes do mal que o obrigam a escrever sua história por caminhos tortuosos,
cheios de voltas e reviravoltas e explicações e complicações, até que nós,
leitores, somos obrigados a perguntar para os autores: afinal, quem é o vilão
aqui? E rezamos para que o próprio autor não tenha se perdido na trama e saiba
quem é afinal.
Particularmente,
defendo a verossimilhança das melhores histórias que tive o prazer de
acompanhar, e todas seguem de alguma forma a “regra” de um dos maiores
escritores que já tive o prazer de acompanhar, que diz mais ou menos assim:
“If you want a happy ending, that depends, of course,
on where you stop your story”.
(Orson
Welles)
Em uma tradução livre: “Se você procura um
final feliz, isso depende, claro, de onde/quando você vai parar a sua história”.
Tem
como discordar disso? Creio que é obrigação de todos os autores que tem
compromisso com seus personagens (sejam vilões ou heróis, principais ou
secundários) e com os seus leitores, ter em mente esse fato; e quem sabe nos
inspiremos para viver as nossas próprias histórias cientes disso, também.
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