— Ei, devolve o meu
sorriso!
A chave saltou da minha
mão em mergulho suicida na calçada. O que estava acontecendo com aquela sombra?
A essa hora da noite as ruas não deveriam ter arvores.
Era só uma questão de
vencer a ultima barreira da liberdade de ir para a segurança da vigília de câmeras sem holofote.
Abaixar rapidamente
para desviar das palavras que vinham em minha direção e pegar as chaves do
castelo. Palavras pesadas desabam do ar quando nos curvamos.
— Tá ouvindo?
Devolve!
Quantas chaves cabem em
um Molho? Coletivo de chaves, que se fosse de macarrão levaria tomate e outras
coisas e serviria para tanto, neste momento, quanto não encontrar a chave certa. Tremor, calafrio, arrepio, descarga de adrenalina por situação de
stress súbito, droga, alguém me empresta um palavrão!
— Eu sei que tá me
ouvindo. Por que não devolve? Esse sorriso não te pertence mais.
Com tantas coisas para
fazer, quem iria roubar um sorriso?
Drogado, bêbado de delírios químicos. São os mais perigosos quando
resolvem agir violentamente, não tem nada a perder. Perdeu... Perdeu... é o que
dizem sempre. Ou seria metáfora?
Metáfora, palavra ou
expressão que produz sentido figurado.
Quem será a figura? Um
rosto que o identifique, nas câmeras. Louco,
poeta, criatura vil arquitetando planos de traição? O assassino do noticiário
foi encontrado nas imagens e capturado em regime fechado. O regime da vítima mais que fechado, lacrado,
emagrecendo e apodrecendo até o pó. Vingança que só serve aos que ficam, justiça
seja feita, vão-se os dedos ficam os anéis.
Dá vontade de chorar, o
objeto metálico penetrando, forçando a passagem, empurrando mecanismos até ouvir um... click? Deveria ouvir se não fosse o tênis provocando ruídos de aproximação.
Entrar, trancar, um
tiro alcança longe, mas nem sempre acerta o alvo. Só se for por azar.
Melhor enfrentar a
situação, há uma química estranha entre o medo e a curiosidade que nos faz...
Adolescente. Quem
ensina tantos palavrões a essa geração? Nem mesmo os sei. O celular
onipresente, todos tem um para distanciar as comunicações.
Fico olhando, e no
assombro do inusitado o aparelho é desligado. Águas seguem o seu rumo,
contornando os acidentes do terreno, extraindo sua força da gravidade da
situação. Nos tempos de hoje não se chora em presença, só nas ondas
eletromagnéticas das imagens fantasiosas, estáticas. Humanos são os únicos animais que lacrimejam
por sentimentos.
Ele se afasta e
desaparece da visão, fico sem saber quem ou como lhe roubou o sorriso. Uma ponta de
remorso escondida no bolso, mãos geladas, as costas encostadas nas grades que separam
a segurança da liberdade, o cansaço de mais um dia refletido nas lentes frias
que poderiam registrar...
Só então me dei conta
da perda. Onde está? Grito...
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