Arrisco mesmo a dizer: só os amores verdadeiros se acabam. Os que sobrevivem, incrustados no hábito de se amar, podem durar uma vida inteira e podem até ser chamados de amor mas nunca foram ou serão um amor verdadeiro. Falta-lhes exatamente o Dom da finitude, abrupta e intempestiva. Qualidade só encontrável nos amores que infundem medo e temor de destruição. Não se vive o amor; sofre-se o amor. Sofre-se a ansiedade de não poder retê-lo, porque nossas cordas afetivas são muito frágeis para mantê-lo retido e domesticado como um animal de estimação. Ele é xucro e bravio e nos despedaça a cada embate e por fim se extingue e nos extingue com ele. Aponta numa única direção: o rompimento. Pois só conseguiremos suportá-lo se ocultarmos de nossos sentidos o objeto dessa desvairada paixão. (...)
Fragmento do texto de Jamil Snege, escritor e publicitário curitibano, não necessariamente nessa ordem (1939 – 2003)
Um comentário:
Amor? Paixão? Amor-paixão? Paixão-amor? Complexidades, intensidades, vivências.
Como leitora e escritora admiro a poética do texto do Jamil Snege, tanto este fragmento como o texto na íntegra. Como psicanalista vejo o revelar da sobreposição da paixão ao amor.
Quem poderá condená-lo se na vida, em um ou outro momento, a maioria de nós embaralhamos nossos sentires e tomamos a paixão por amor, o amor as x não reconhecemos qdo a paixão acalma?
Se com certeza os amores não são verdadeiros pela durabilidade, pois esta muitas x apenas encobre acordos do viver (facilidade para jovens sair de sua família de origem/enfretar o início da vida adulta, acordos p criar os filhos e se estabelecer ao longo da maturidade, não envelhecer na solidão, entre outros acordos possíveis), não temos como negar que há amores longilíneos verdadeiros. Quão raro são???!!! Trabalho contínuo? Dádiva? Construção? Paixão que "visita" aos longo dos anos o mesmo casal? Quer seja tudo isso.
A postagem me estimulou a pensar em escrever um texto cujo título poderia ser "de tudo que mata o amor", inpirada num conto do Jamil, Flores e Livros, mas deixo as reflexõe psi de lado em louvor a poesia.
Beijos meus,
Aos opacos (Jamil Snege)
…..Deixem-me arder
……..Deixem-me queimar as asas
nesse vela,
nesse sol, nesse leiser que envenena
as couves embrutedidas
pela treva.
…….Deixem-me arder.
…….Se ofendo sua lógica,
sua prosódias, seus anéis
de sempre elegante curvatura,
esmaguem minha musculatura
e os ossos que a sustêm.
…….Mas me deixem arder
…….Deixem-me arder de infinito
nesse iníquo delíquio
de existir.
…….E se os ofendo,
soprem minhas cinzas,
derramem minha lixívia,
mas me deixem auferir
as estrelas como o úmero roto
açoita o músculo que seu vôo
desencanta.
…….Deixem-me luzir
definhar meu luminoso espanto
onde só lhes é permitido
sobraçar espasmos
e guarda-chuvas.
…….E seu eu venha a ferir,
opacos, o lusco-fusco
de seus baços,
o hálito de hortaliças,
o bolor de queijo
que amadurece em seus
atrios
absteçam-me de mil insultos
…….Mas me deixem incender.
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