segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Quando o Medo morava embaixo da cama - Danny Marks


            Leonardo completou doze anos quando decidiu que não iria mais aguentar a situação. Precisava dar um jeito ou sua vida estaria definitivamente perdida.
            Já tentara de tudo, até mesmo urinar no colchão para ver se gotas fétidas espantariam a coisa, mas depois de muitas conversas dos pais descobrira que não era uma boa ideia.
           Há anos que procurava ajuda, a verdade era algo que gostava de dizer, mesmo quando não acreditavam nele.
            Não acreditaram na primeira vez, ou nas outras que havia falado sobre os barulhos vindos da escuridão. Aos oito anos desistira de tentar. Não lembrava direito das datas, só das noites insones que viravam dias de cansaço, salvo apenas pelos cochilos no sofá, durante seus desenhos favoritos na TV, ou na escola.
            O que o salvava muitas vezes era o muro branco do lençol a cobri-lo, e suava tanto que escorria, mas tinha que resistir. Temia que por algum descuido, se descobrisse durante a noite, então se enrolava como um pacote bem amarrado, para não se mexer.
            Já pedira proteção ao Teddy, o urso; ao Lucky, o astronauta e até mesmo ao Logarto, o horrível Tiranossauro-Rex que ganhara de seu primo com a garantia de que era a mais forte das criaturas do mundo. E ainda assim, depois que todos iam dormir, ouvia o rastejar, raspar no chão, as garras tentando sair do lugar secreto que ninguém conseguia ver.
            Perguntara aos amigos que contavam histórias em volta da fogueira, ou à luz de lanternas, como aquelas do Clube do Terror, se eles conheciam alguém que tinha um...monstro — fora difícil falar a palavra — morando embaixo da cama.
            Todos riram, tivera que rir junto. Claro que ninguém tinha um monstro morando embaixo da cama, que bobagem, só criancinhas acreditavam nessas bobagens. 
            Mas era uma boa piada, não era?
        Não era. 
        Não quando as luzes apagavam, apesar de ter convencido os pais a deixarem uma pequena lâmpada acessa — para o caso de ter que ir no banheiro de noite e não tropeçar nos brinquedos que pudessem estar espalhados — alinhados em uma barricada forte e corajosa em frente a cama. Ainda assim ouvia os sons e sabia que a coisa se arrastava e se esgueirava vencendo os espaços que separavam os mundos. Livre por mais uma assustadora noite.
            Mas não hoje, tudo seria diferente! Passara os últimos meses estudando com os principais heróis do mundo. Emprestara as garras adamantium de Wolverine, a espada de Simbad, e até a inteligência de Spock. Tomara a força medonha de Mr Hyde — tudo bem que Mr Hyde não era um herói, mas havia algo de bom nele, de alguma forma — e a esperteza de Dannel Shimoda, seu mais novo amigo. Todos o haviam ensinado a enfrentar as dificuldades e a pedir ajuda para o que precisasse, a falar a verdade e, mais do que tudo, não desistir jamais de lutar.
            Então, logo depois da meia noite — ficou olhando atentamente o relógio digital que brilhava mesmo no escuro — o som rascante das unhas arranhando o chão se fez ouvir.
            E pela primeira vez Leonardo esgueirou-se até a beirada da cama de forma que os seus olhos pudessem ver a coisa que tentava sair da escuridão entre a cama e o chão.
            Viu os braços enormes se esticando para fora — não havia nenhuma barreira desta vez — e a coisa toda foi surgindo.
            Os heróis haviam dito que não havia problemas em sentir medo em uma situação assim, até mesmo eles sentiriam. Precisava olhar de frente o adversário e testar suas possibilidades, ainda que sua melhor chance fosse correr gritando por toda a casa em busca de socorro.
             A criatura abriu a boca enorme e disse:
            — Oi, Leonardo.
            O monstro sabia o seu nome! Claro, devia vigia-lo daquele lugar onde se escondia e sabia tudo. O monstro sabia! Não há problema em ter medo, não desistir de lutar.
            — O...oi.
            Sentiu-se corajoso só pelo fato de ter falado com a criatura, nenhum dos seus mais corajosos amigos teria conseguido. A um canto os heróis aplaudiam sua coragem.
            — Obrigado por me deixar sair desta vez, achei que nunca permitiria.
            Como assim? A criatura sempre saia e invadia seu quarto e... e o quê? Não sabia...
            — Tu...tudo bem...
            — Podemos conversar? Eu sei que tem que dormir, mas só um pouquinho, depois eu fico quietinho até o sol nascer, por favor.
            Leonardo pensou, não havia problema, o monstro pedira por favor como uma pessoa educada, não? Reuniu a coragem e se afastou para o outro canto da cama. A criatura, como se tivesse sido convidada, deitou-se ao lado dele e cobriu-se com o lençol.
          E contou um monte de histórias maravilhosas para Leonardo, antes que ele adormecesse. Quando o dia amanheceu, havia sumido.
            E assim foram todas as noites por muitos e muitos anos, até que um dia a criatura não saiu mais do seu lugar secreto.
            Não precisava mais.
          Leonardo havia dado um jeito de arrumar um lugar melhor para ela, dentro de sua cabeça, e juntos escreveram muitas histórias para adultos e crianças que nunca permitiram que o Medo saísse de sua casa embaixo da cama.

Um comentário:

Unknown disse...

Meu amor,

Lindo texto. Li quando postou, há mais de um mês. Não falei ou falei que eu queria tanto escrever contos assim para o Diálogos, para mim, para o mundo, como vc, como este e o Olhos de Nuvem, O Sol de Amanhã, Metafisica do Sonho, entre outros.

Beijos meus,

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