segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Paranóia! - Danny Marks




Eles estão por toda parte, em todos os lugares e coisas para onde eu olho. Sempre estiveram.

Eu é que não os via. Até que ele me mostrou.

Mais um cliente para a clínica, coitado, uma vida destroçada, perdeu os laços familiares, perdeu o emprego, perdeu a dignidade, quase perdeu a vida em uma tentativa mal sucedida de suicídio. Quantos eu havia visto assim antes dele?

Tive que conversar com ele, analisar a necessidade de medicação. Um suicida mal sucedido sempre tenta de novo e de novo até que consegue, apenas espera a melhor oportunidade que pode ser a qualquer momento, basta que veja o sinal.

― Não vou me matar, doutor, não preciso mais. Já estou morto.

― Entendo! Se está morto e falando comigo, significa que está em uma nova vida, além da morte então. Pode iniciar uma nova jornada e alcançar os seus objetivos, não é mesmo?

― Que merda, já disse que estou morto, agora é deixar o corpo ir apodrecendo aos poucos e quando os ossos virarem pó, deixar a consciência se esvair de vez. Não percebe que tudo o que sou é apenas uma ficção? Eu não existo, você não existe, nada do que você chama realidade existe. É tudo uma idéia que se perde.

― O que o faz pensar assim? O que aconteceu para que visse o mundo dessa forma? Pode me dizer?

Ele estava tranqüilo, mesmo sem medicamentos, apenas deitado na cama olhando para algum ponto infinito no teto, não me olhava no rosto, como se eu não importasse de fato.

― Eu apenas vi, tive uma revelação!

Droga, mais um viciado que havia visto Deus em uma bad trip e acabara desacreditando do universo. Era o centésimo só neste mês.

― Uma Revelação? E como foi isso?

― Como acender uma lâmpada em um lugar completamente escuro. Em um instante você imagina tudo o que está ali a sua frente, sente como se soubesse cada uma das coisas que estão em volta e, de repente, você passa a ver de fato. O sentido por trás das coisas.

― Interessante, e qual seria esse sentido? Talvez eu possa entender mesmo sem ter visto a luz...




Ele virou-se para mim e sorriu de uma forma como eu jamais havia visto alguém fazer. Se o Diabo sorrisse deveria ser daquele jeito, malicioso, erótico, sarcástico, nojentamente depravado, invasivo e imoral, de uma sensualidade lasciva e mesquinha.

― Você quer? Precisa querer de verdade, é assim que a coisa acontece. Está tudo dentro da sua cabeça apenas. Da idéia da sua cabeça. O que busca é o que encontra.

Mesmo contra as regras, decidi que precisava fazer alguma coisa, uma reação de defesa contra aquele sorriso que me despira e me possuíra a alma de forma tão ilícita.

― E quem me diz que não é isso que aconteceu contigo? Que não é da sua cabeça essa idéia de Revelação? Você queria ter uma revelação e ela se fez para você, não?

Ele sentou-se e me encarou com aquele sorriso.

― Sim, eu queria isso. Busquei Deus em templos e nas esquinas mais escuras que encontrei, no alto das montanhas e no banheiro, e em cada lugar que eu ia, eles estavam lá!

― Eles? Quem seriam eles?

― Os sinais! Os sinais de que Deus nunca existiu, nada existe, é tudo apenas uma grande mentira inventada por alguém. Já viu quantas mentiras são ditas no SEU mundo? Olhe bem de perto e vai ver uma mentira sórdida em cada canto. Não existe amor, não existe desejo, não existe Luz, é tudo fruto da imaginação. Cada formato, cada pessoa, cada situação, só existe durante o tempo em que a idéia perdura, pelo interesse de...

Calou-se, havia intensidade no que dizia, mas não fúria. Uma intensidade que existe quando se fala uma verdade profunda e desesperadora, acompanhada da resignação revoltada de não se poder mudar os fatos incontestáveis da vida. Eu precisava mais...

― De quem? O interesse de quem?

― Eu não sei. Não importa.

― Deus? Seria esse, então, o Deus que você procurava? O idealizador de toda a mentira?

Ele riu, gargalhou profundamente, histericamente. Se jogou na cama em convulsões de riso. Eu precisava sair dali, mas algo me detinha. Algo me acorrentava. As paredes brancas, os lençóis amarrotados, o sapato virado no canto do quarto.

― Eu não preciso acreditar em Deus, eu o conheço! Vi os sinais e sei o que Ele vai fazer daqui a pouco. Vai me matar. Era essa a idéia desde o princípio.

Jung, o homem citava o descobridor dos arquétipos, se colocava em uma posição de SER um arquétipo. A coisa estava fora de controle, eu tinha que fugir dali.

― Eu creio que a idéia de que todos vão morrer um dia é algo que nos assombra tão logo nos percebemos vivos. Então não há porque antecipar algo que irá acontecer inevitavelmente. Por outro lado não é preciso haver sofrimento, pode ter uma vida boa até que...

― O que? Até que descubra que tudo não passa de uma farsa? A mulher grávida que carrega o filho que não é do marido, o sexo que substitui o amor, o emprego que paga as contas que você não teria se não quisesse ter o que não precisa para mostrar aos outros o que você não é? Não percebe que é tudo uma farsa? Personagens que alguém criou para entreter os outros. Alguém está te olhando, Doutor. Alguém está acompanhando cada passo seu. Seus pensamentos e suas palavras, a todo instante. Você não passa de uma alucinação da cabeça de alguém para que outros te vejam. Nada disto aqui existia antes, alguns minutos atrás e nem eu, nem você, existíamos, e daqui a pouco eu não vou mais existir. Já nasci morto, e só estou vivo porque aquele que está olhando ainda não percebeu isso. Mas já estava determinado que eu estaria morto. Desde o começo.

Eu me virei. Definitivamente precisava ir embora dali antes que...O que? Antes que eu passasse a acreditar? Abri a porta e me voltei para ele.

Os vermes já o devoravam em plena cama, pequenos vermes como larvas de varejeira a comer a carne podre. Um piscar de olhos e ele não estava mais ali. Desaparecera como se nunca tivesse estado. O quarto vazio, limpo, estéril em todos os sentidos. A brancura da inexistência da idéia.

Quando saí para o corredor eu vi a luz brilhante invadindo a minha alma.

Olhei a minha volta e lá estavam eles, todos eles. Todas as coisas que sempre estiveram ali e que daqui a alguns minutos não vão estar mais.

Minha vida se resumia a existir enquanto havia alguém, que eu não sabia quem, estivesse olhando para mim. Me acompanhando em cada passo e pensamento.

Até que a página fosse virada.

5 comentários:

Unknown disse...

excelente o conto, vai criando o clima, deixando a gente pensar se e quando o Dr vai entrar na nóia.
beleza Danny, vc sabe muito bem colocar "nas letras" os retratos das mentes.

Anônimo disse...

Muito bom Danny! Coisa de Bruxo, de homem encantado que brinca com as palavras e mexe com as pessoas.

Carol Desirée disse...

Mistério? Mente humana, aaai como adoro isso. Perturbador... Mto bom!

Adriano de Lima disse...

Acho muito bacana vocês plagiarem o título do meu blog que é bem mais antigo do que o de vocês. Tenho certeza que já notaram o erro mas não corrigiram. Inclusive já existe um terceiro blog com o mesmo nome. Mas não tem problema. Quem é original sempre é plagiado.

Danny Marks disse...

Adriano,

Rss, deixa de paranóia, homem. Não copiei o nome do seu blog, que é realmente muito bom rss.
O nome surgiu há muito tempo para um projeto de livro com textos filosóficos e fotografias (Daí o nome de Retratos da Mente)que inicialmente batizou uma coluna em um site (onde apareciam os textos e as fotos). Quando o site foi desativado eu acabei criando o Blog.
O livro, com o mesmo nome, já está inclusive registrado na BN e, se reparar, o endereço do meu blog é justamente www.osretratosdamente.blogspot.com ou seja, não havia registro dele na blogosfera ou eu teria até utilizado outro, mais por consideração a quem foi mais rápido em registra-lo do que por uma questão autoral.
Uma idéia pode ser apreendida por mais de uma pessoa, mesmo que elas não tenham vinculo. Isso não caracteriza um plágio, apenas uma conexão.
Eu vi o conteúdo do seu blog, vou até indexar no meu para que mais pessoas tenham acesso a ele (http://dricodayafterday.blogspot.com) mas não vou mudar o nome do meu blog e do meu projeto apenas porque outros já utilizaram-se dele. Imagine se todos os "Silvas" e "João" ou "José" tivessem que trocar os nomes só porque outros também usam esses rss.
Não, nomes não tem tanta importância, apenas servem como uma referência, o que importa é o conteúdo e o que é preciso ser dito.
Espero que tenha gostado do "Homônimo" e apareça mais vezes, será bem vindo, como todos que visitam esta página.
Eu recomendo, inclusive, o meu texto sobre Plágio "Copo roubado à Fonte" é bem interessante.

Abração!

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