quinta-feira, 31 de maio de 2018

Os Caminhos da Narrativa – Danny Marks





            É muito comum se falar dos benefícios de um livro para a vida das pessoas, inúmeras vantagens são levantadas pelos autores e divulgadores e não vou gastar seu tempo falando sobre isso. Mas, será que é apenas pela possibilidade de divertimento, de instrução, de autoconhecimento e coisas afins que é importante ler um livro? No Brasil, nas últimas décadas, temos observado um movimento interessante. Há cada vez mais autores iniciantes lançando seus livros e tentando uma carreira nessa área, alguns com relativo sucesso, por algum tempo. Por outro lado, vemos um declínio significativo do mercado de livros (não confundir com mercado editorial, que é outra coisa). Também não vou aprofundar na questão de que ainda precisamos inventar um mercado de LIVROS no Brasil, porque já fiz isso em outros momentos e o objetivo deste texto é diferente, embora haja muitos pontos em comum com essas outras questões. Então vamos lá.
            As narrativas têm evoluído ao longo dos séculos, e isso é bom porque, em última análise, criatividade é o nosso negócio, certo? Alguns fatores são cruciais para que essa evolução se efetue. Em primeiro lugar há a realimentação dos temas. Uma temática tem que ser relevante para conquistar algum sucesso e longevidade na construção de um texto literário, isso significa dizer que o texto literário se apropria das condições de uma sociedade, elabora de forma artística e devolve para a sociedade os desdobramentos possíveis até os limites da imaginação e, em muitos casos, influencia os rumos dessa sociedade para algum caminho diferente. Esse movimento quase orgânico é semelhante ao que se pode perceber em qualquer sistema evolutivo, as soluções importantes prevalecem e se multiplicam, até que se tornam comuns e outros desafios se impõem exigindo novas soluções, enquanto que as que não são relevantes apenas desaparecem pelo peso de sua falta de sintonia.
            Não vou tentar descrever a miríade de modelos literários que foram criados, ampliados, ramificados e remodelados ao longo dos tempos, porque isso seria um trabalho para uma vida inteira e não haveria espaço aqui para isso. Vamos nos concentrar em algo mais específico e que serve como um dos pilares para vários modelos literários, a Jornada do Herói. É chamada assim porque trabalha com um formato específico, linear, de construção do personagem (o herói) que se encontra em uma zona de conforto até que é provocado por um chamado (algo que o obriga a sair dessa zona de conforto) e é auxiliado por um guia em sua jornada em busca de algo que vai promover o retorno à estabilidade perdida quando alcançar um determinado objetivo. Ao longo da jornada o herói terá que lidar com várias dificuldades e ao supera-las sozinho ou com ajuda de outras pessoas, vai desenvolvendo capacidades anteriormente adormecidas, além de sabedoria, e conquistando ferramentas na construção de seu destino.
            Se identificou? Provavelmente sim, porque a Jornada do Herói é em maior ou menor grau uma metáfora da saída da infância, o percurso da adolescência rumo à maturidade, que todos passamos em algum momento. Por isso mesmo é um dos pilares de vários modelos literários de extrema eficiência, afinal todos passamos por essa fase em nossas vidas, embora alguns não a superem com todos os méritos, mas isso é outra história. O problema, e nesse ponto é que iniciamos o nosso desvio, é que a sociedade evoluiu para uma forma em que cada vez menos há espaço para os heróis que centralizam em si a força e as soluções em jornadas razoavelmente solitárias, embora solidárias. Sem falar que cada vez mais, na sociedade atual, há uma identificação maior com o Vilão, o adversário do herói, a ponto de muitas narrativas inverterem o sentido e quase apagarem a linha divisória entre um e outro criando uma variante que denominamos o anti-herói, que é quase um vilão que deu certo quebrando as regras e fazendo as coisas necessárias de forma diferente do que está estabelecido a despeito do custo envolvido.
            Essa identificação com o anti-herói muitas vezes é maior do que a identificação com o herói, porque é mais comum em um mundo em que as regras mudam rapidamente e há necessidade de fazer diferente do padrão estabelecido e ainda assim funcionar bem para todos. O anti-herói não é contra o caminho do herói, mas um caminho paralelo, sombrio, onde não há certezas de sucesso e decisões difíceis são exigidas constantemente sob o risco de tornar as coisas piores, e não melhores. Se identificou com esse modelo? Pois é, na sociedade tecnológica as regras mudam rapidamente, e apenas aqueles que são capazes de fazer diferente e melhor são os que obtém sucesso. Nesse mundo tudo precisa evoluir, até mesmo os vilões, ninguém é bobo de acreditar que os desafios vão se manter os mesmos e é preciso sobreviver a qualquer custo. A sociedade pressiona nesse sentido “Seja igual a todos, mas faça melhor que qualquer um”, ou seja um paradoxo. Como fazer algo igual, a partir das mesmas bases, e obter resultados melhores?
            Essa é a grande charada da evolução. Seguir as regras até o limite de adquirir força suficiente para superar as regras e dar um salto no desconhecido. Se é desconhecido, não haverá guias, não haverá regras claras, quando muito a certeza de riscos e a possibilidade do fracasso, mas que se conseguir superar obterá uma capacidade inigualável, ou rapidamente será esquecido sem qualquer epitáfio. A pior parte do caminho do anti-herói é justamente essa, ele não tem uma zona de conforto, o chamado para a aventura não existe, ou melhor, sempre existiu e se chama sobrevivência, implicando que dependerá dos recursos da sociedade que o sustentou e agora exige a mudança, porém fará tudo para que fracasse e resistirá a qualquer alteração da balança do poder. O anti-herói precisa provar seu valor para ser reconhecido, o que é impossível até que a tarefa esteja completa, mas para conseguir alcançar o seu objetivo terá que convencer os provedores de recursos a ajuda-lo, fazendo o mesmo salto que ele no desconhecido.
            É nesse cenário de incertezas absolutas, de caos constante e desafios absurdamente enormes que o anti-herói tem que continuar sobrevivendo, e suportando as perdas pessoais e dos aliados que se arriscaram junto com ele nesse caminho, seguindo sua visão e confiando em suas habilidades. Parece impossível? Então considere que as coisas estão tão ruins que as chances de sucesso são mínimas para qualquer um, se nada for feito o fim já está decretado, por outro lado se fizer algo errado pode acelerar o fim OU pode encontrar uma solução inusitada para o problema, que permitirá que o próximo da fila consiga avançar mais um pouco. O anti-herói, nesse contexto, é a evolução do herói que depois de ter conquistado a sabedoria, de ter feito sua aventura e vencido coisas terríveis, percebe que esse é apenas o início da jornada e não há um “viveram felizes para sempre”, pelo contrário, os adversários agora sabem do que é capaz e se preparam para vencê-lo e destruir tudo o que conquistou. Sabe aquele mosquito que sugou o seu sangue? Ele é mais fácil matar enquanto está com a barriga cheia, porque se move mais lentamente, está mais pesado, a fartura o coloca mais próximo do risco pela indolência.
            Um herói evita arriscar a vida dos amigos e aliados, por isso que facilmente conquista apoio, o vilão não se importa com ninguém e por isso tem dificuldade de manter o apoio,  já o anti-herói sabe que não pode proteger a todos e a si mesmo, então escolhe não ter aliados ou prepara-los para se defenderem sozinhos, apenas apontando a direção para onde pretende ir e se aproveitando de qualquer avanço que puder tornar seu, mesmo que ao custo dos que o seguem. Percebe que essa é uma forma de apresentar a teoria da Evolução das Espécies de Darwin? Os melhores preparados sobrevivem, isso quer dizer que nem todos vão conseguir, ou melhor, para que alguns sobrevivam, todos tem que dar o seu melhor e criar soluções que ajudem a coletividade e a si mesmos, não há um indivíduo que vai solucionar tudo, mas um grupo de indivíduos que pode potencializar suas chances trabalhando por um objetivo em comum. Parte desse grupo não vai chegar ao final, não vai suportar, mas de outra forma ninguém conseguirá vencer a adversidade, o herói passa a ser aquele que se sacrifica pelos outros e não o que chegou até o final. Nesse modelo a coletividade se torna mais eficiente que o indivíduo e se alimenta dos indivíduos que a compõe, e obriga a um outro tipo de habilidade, a do Líder que motiva os que o acompanham e se arriscam junto em um projeto. O líder, diferente do herói, não tem todas as respostas e vai cometer erros, por isso tem que rever constantemente suas estratégias para não perder o apoio e a força que o grupo lhe fornece. Um líder egoísta morre sozinho ou é morto pelos que o apoiavam. Só um líder que tenta atender as necessidades da coletividade, mesmo lutando contra essa mesma coletividade, consegue apoio para sobreviver por tempo suficiente para fazer a diferença, até ser substituído por outro melhor capacitado que se formou no âmbito do grupo. É como o macho alfa de um bando de predadores, que tem seguidores enquanto conseguir sucessos, mas gera e sustenta os que irão substituí-lo entre os amigos e adversários.
            Conseguiu perceber os links com algumas narrativas de sucesso? Acredita que é injusto? Não é, se olhar pela perspectiva da evolução. Tudo tende a um declínio na natureza, chama-se entropia. A única forma de evitar a entropia é justamente manter a evolução constante, isso significa tornar as coisas diferentes para que continuem a funcionar, até porque tudo muda quando as soluções deram certo. Algo que muda para permanecer igual tende a decair em sua energia gerando a estagnação, a entropia. É por isso que há um movimento crescente da distopia, aquele modelo literário que quebra as regras e tenta demonstrar da forma menos idealizada os fatos, destruindo a jornada do herói e seus maniqueísmos e tentando demonstrar que entre os dois extremos há um universo de possibilidades interessantes, mas nem todas viáveis ou benéficas para os envolvidos, por isso é importante ter cuidado com as escolhas que se faz e quais regras pretende quebrar.
            Foi nessa linha de argumentação que desenvolvi um modelo literário diferenciado, para poder alcançar o máximo potencial da narrativa que se tornou o eixo central da Saga SOBREVIVENTES. Em primeiro lugar abandonei a jornada do herói, a jornada do anti-herói, a jornada do vilão e estabeleci um modelo em que nenhum personagem é mais importante que o outro, mas todos tem um papel fundamental no desenvolvimento da trama. Isso gerou um problema enorme para compor a narrativa, não havia um modelo que pudesse me apoiar, era um terreno pantanoso que tinha tudo para dar errado e apenas algumas possibilidades de sucesso. Tive que refazer todo o projeto diversas vezes ao longo de seis anos de trabalho, reformulando tudo até chegar ao ponto em que gerava os resultados desejados. A narrativa cresceu tanto que não cabia mais em um único volume e isso me obrigou a quebrar outro paradigma. Em Sagas é comum que a narrativa vá evoluindo ao longo dos volumes que podem ser intermináveis, enquanto o leitor tiver interesse, e as vezes não há interesse justamente porque são vários volumes para contar uma história. A solução foi pensar de outro modo, mais de acordo com a realidade das coisas e em consonância com o modelo que desenvolvi. Se os personagens são importantes em sua história, e são relevantes na história como um todo, mas nenhum é insubstituível, então porque não tornar cada livro independente, fazendo parte de um todo maior que vai se construindo?
            No modelo que construí para a narrativa distópica desenvolvida em SOBREVIVENTES, o eixo central é a sobrevivência. Sem vilões, heróis, anti-heróis, personagens centrais, mas com tudo isso junto, em histórias que se desenvolvem em livros fechados, com início, meio e fim, mas que compõem e ampliam o universo criado em que existem. São como peças de um quebra-cabeças em que cada uma se basta, mas que quanto mais peças, maior a diversão. Percebi uma coisa interessante nesse modelo, cada livro pode ser feito com um modelo diferente, que pode até ter a jornada do herói e seus maniqueísmos, pode ter a jornada do anti-herói e suas complexidades, pode até ter a jornada do vilão e suas perspectivas, ou pode ter tudo isso junto e misturado em uma narrativa diferenciada, como o volume de abertura que leva o nome da saga, SOBREVIVENTES. Onde quero chegar com essa loucura toda? Não sei, não há um objetivo a ser alcançado, mas uma jornada a ser percorrida que pode ajudar aos que trabalham com os modelos clássicos a progredirem e pode ajudar aos que querem romper com esses modelos a ver outras perspectivas, ao mesmo tempo que ofereço aos meus leitores uma forma diferente de narrar essa aventura e encantar, instruir, denunciar, questionar e divertir.
            Antes mesmo de ser lançado o primeiro volume, desenvolvi três livros dentro do modelo para verificar a funcionalidade. Estão prontos e serão lançados seguindo uma estratégia de marketing diferenciada, porque, como disse lá no início, precisamos inventar um mercado de livros no Brasil, e se é para inovar, vamos fazer bem feito. A evolução é necessária e para que as coisas funcionem, precisamos pensar que cada um dos envolvidos vai ter que contribuir com a sua parte para a coletividade e fazer com que seja conquistado algo que poderá nos dar uma nova chance de continuar tentando fazer melhor, usando tudo o que já sabemos e todas as regras já estabelecidas, mas avançando no desconhecido e inventando novas soluções para um mundo que tem que se recriar constantemente, para se manter vivo e evoluindo. Não há outra opção viável se quisermos continuar a nossa jornada em busca do melhor que podemos obter, sem destruir os caminhos para os heróis, anti-heróis e vilões que merecem ter suas histórias contadas e recontadas até que não sejam mais necessárias.
            Quer saber mais? Continue acompanhando nos meus canais o desenvolvimento desta jornada. Apresentarei oportunamente todos os bastidores da Saga, os modelos utilizados em cada um dos volumes, as técnicas de construção da narrativa e dos personagens e muito mais. Conto com o apoio de todos para que possa realizar essa jornada sem heróis ou vilões, mas com pessoas que vão dar o melhor de si para atingirem um patamar mais elevado de evolução. Deixe suas dúvidas, criticas, sugestões, apoio, nos comentários, todos serão parte desta história que estamos escrevendo juntos. As coisas nunca mais serão as mesmas, e isso faz toda a diferença no sucesso.

Danny Marks, 2018

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