É muito comum se falar dos benefícios de um livro para a vida das pessoas,
inúmeras vantagens são levantadas pelos autores e divulgadores e não vou gastar
seu tempo falando sobre isso. Mas, será que é apenas pela possibilidade de
divertimento, de instrução, de autoconhecimento e coisas afins que é importante
ler um livro? No Brasil, nas últimas décadas, temos observado um movimento
interessante. Há cada vez mais autores iniciantes lançando seus livros e
tentando uma carreira nessa área, alguns com relativo sucesso, por algum tempo.
Por outro lado, vemos um declínio significativo do mercado de livros (não
confundir com mercado editorial, que é outra coisa). Também não vou aprofundar
na questão de que ainda precisamos inventar um mercado de LIVROS no Brasil, porque
já fiz isso em outros momentos e o objetivo deste texto é diferente, embora
haja muitos pontos em comum com essas outras questões. Então vamos lá.
As narrativas têm evoluído ao longo dos séculos, e isso é bom porque, em última
análise, criatividade é o nosso negócio, certo? Alguns fatores são cruciais
para que essa evolução se efetue. Em primeiro lugar há a realimentação dos
temas. Uma temática tem que ser relevante para conquistar algum sucesso e
longevidade na construção de um texto literário, isso significa dizer que o
texto literário se apropria das condições de uma sociedade, elabora de forma
artística e devolve para a sociedade os desdobramentos possíveis até os limites
da imaginação e, em muitos casos, influencia os rumos dessa sociedade para
algum caminho diferente. Esse movimento quase orgânico é semelhante ao que se
pode perceber em qualquer sistema evolutivo, as soluções importantes prevalecem
e se multiplicam, até que se tornam comuns e outros desafios se impõem exigindo
novas soluções, enquanto que as que não são relevantes apenas desaparecem pelo
peso de sua falta de sintonia.
Não vou tentar descrever a miríade de modelos literários que foram criados,
ampliados, ramificados e remodelados ao longo dos tempos, porque isso seria um
trabalho para uma vida inteira e não haveria espaço aqui para isso. Vamos nos
concentrar em algo mais específico e que serve como um dos pilares para vários
modelos literários, a Jornada do Herói. É chamada assim porque trabalha com um
formato específico, linear, de construção do personagem (o herói) que se
encontra em uma zona de conforto até que é provocado por um chamado (algo que o
obriga a sair dessa zona de conforto) e é auxiliado por um guia em sua jornada
em busca de algo que vai promover o retorno à estabilidade perdida quando
alcançar um determinado objetivo. Ao longo da jornada o herói terá que lidar
com várias dificuldades e ao supera-las sozinho ou com ajuda de outras pessoas,
vai desenvolvendo capacidades anteriormente adormecidas, além de sabedoria, e
conquistando ferramentas na construção de seu destino.
Se identificou? Provavelmente sim, porque a Jornada do Herói é em maior ou
menor grau uma metáfora da saída da infância, o percurso da adolescência rumo à
maturidade, que todos passamos em algum momento. Por isso mesmo é um dos
pilares de vários modelos literários de extrema eficiência, afinal todos
passamos por essa fase em nossas vidas, embora alguns não a superem com todos
os méritos, mas isso é outra história. O problema, e nesse ponto é que
iniciamos o nosso desvio, é que a sociedade evoluiu para uma forma em que cada
vez menos há espaço para os heróis que centralizam em si a força e as soluções
em jornadas razoavelmente solitárias, embora solidárias. Sem falar que cada vez
mais, na sociedade atual, há uma identificação maior com o Vilão, o adversário
do herói, a ponto de muitas narrativas inverterem o sentido e quase apagarem a
linha divisória entre um e outro criando uma variante que denominamos o
anti-herói, que é quase um vilão que deu certo quebrando as regras e fazendo as
coisas necessárias de forma diferente do que está estabelecido a despeito do
custo envolvido.
Essa identificação com o anti-herói muitas vezes é maior do que a identificação
com o herói, porque é mais comum em um mundo em que as regras mudam rapidamente
e há necessidade de fazer diferente do padrão estabelecido e ainda assim
funcionar bem para todos. O anti-herói não é contra o caminho do herói, mas um
caminho paralelo, sombrio, onde não há certezas de sucesso e decisões difíceis
são exigidas constantemente sob o risco de tornar as coisas piores, e não
melhores. Se identificou com esse modelo? Pois é, na sociedade tecnológica as
regras mudam rapidamente, e apenas aqueles que são capazes de fazer diferente e
melhor são os que obtém sucesso. Nesse mundo tudo precisa evoluir, até mesmo os
vilões, ninguém é bobo de acreditar que os desafios vão se manter os mesmos e é
preciso sobreviver a qualquer custo. A sociedade pressiona nesse sentido “Seja
igual a todos, mas faça melhor que qualquer um”, ou seja um paradoxo. Como
fazer algo igual, a partir das mesmas bases, e obter resultados melhores?
Essa é a grande charada da evolução. Seguir as regras até o limite de adquirir
força suficiente para superar as regras e dar um salto no desconhecido. Se é
desconhecido, não haverá guias, não haverá regras claras, quando muito a
certeza de riscos e a possibilidade do fracasso, mas que se conseguir superar
obterá uma capacidade inigualável, ou rapidamente será esquecido sem qualquer
epitáfio. A pior parte do caminho do anti-herói é justamente essa, ele não tem
uma zona de conforto, o chamado para a aventura não existe, ou melhor, sempre
existiu e se chama sobrevivência, implicando que dependerá dos recursos da
sociedade que o sustentou e agora exige a mudança, porém fará tudo para que
fracasse e resistirá a qualquer alteração da balança do poder. O anti-herói
precisa provar seu valor para ser reconhecido, o que é impossível até que a
tarefa esteja completa, mas para conseguir alcançar o seu objetivo terá que
convencer os provedores de recursos a ajuda-lo, fazendo o mesmo salto que ele
no desconhecido.
É nesse cenário de incertezas absolutas, de caos constante e desafios
absurdamente enormes que o anti-herói tem que continuar sobrevivendo, e
suportando as perdas pessoais e dos aliados que se arriscaram junto com ele
nesse caminho, seguindo sua visão e confiando em suas habilidades. Parece
impossível? Então considere que as coisas estão tão ruins que as chances de
sucesso são mínimas para qualquer um, se nada for feito o fim já está
decretado, por outro lado se fizer algo errado pode acelerar o fim OU pode
encontrar uma solução inusitada para o problema, que permitirá que o próximo da
fila consiga avançar mais um pouco. O anti-herói, nesse contexto, é a evolução
do herói que depois de ter conquistado a sabedoria, de ter feito sua aventura e
vencido coisas terríveis, percebe que esse é apenas o início da jornada e não
há um “viveram felizes para sempre”, pelo contrário, os adversários agora sabem
do que é capaz e se preparam para vencê-lo e destruir tudo o que conquistou.
Sabe aquele mosquito que sugou o seu sangue? Ele é mais fácil matar enquanto
está com a barriga cheia, porque se move mais lentamente, está mais pesado, a
fartura o coloca mais próximo do risco pela indolência.
Um herói evita arriscar a vida dos amigos e aliados, por isso que facilmente
conquista apoio, o vilão não se importa com ninguém e por isso tem dificuldade
de manter o apoio, já o anti-herói sabe que não pode proteger a todos e a
si mesmo, então escolhe não ter aliados ou prepara-los para se defenderem
sozinhos, apenas apontando a direção para onde pretende ir e se aproveitando de
qualquer avanço que puder tornar seu, mesmo que ao custo dos que o seguem.
Percebe que essa é uma forma de apresentar a teoria da Evolução das Espécies de
Darwin? Os melhores preparados sobrevivem, isso quer dizer que nem todos vão
conseguir, ou melhor, para que alguns sobrevivam, todos tem que dar o seu
melhor e criar soluções que ajudem a coletividade e a si mesmos, não há um
indivíduo que vai solucionar tudo, mas um grupo de indivíduos que pode
potencializar suas chances trabalhando por um objetivo em comum. Parte desse
grupo não vai chegar ao final, não vai suportar, mas de outra forma ninguém
conseguirá vencer a adversidade, o herói passa a ser aquele que se sacrifica
pelos outros e não o que chegou até o final. Nesse modelo a coletividade se
torna mais eficiente que o indivíduo e se alimenta dos indivíduos que a compõe,
e obriga a um outro tipo de habilidade, a do Líder que motiva os que o
acompanham e se arriscam junto em um projeto. O líder, diferente do herói, não
tem todas as respostas e vai cometer erros, por isso tem que rever
constantemente suas estratégias para não perder o apoio e a força que o grupo
lhe fornece. Um líder egoísta morre sozinho ou é morto pelos que o
apoiavam. Só um líder que tenta atender as necessidades da coletividade,
mesmo lutando contra essa mesma coletividade, consegue apoio para sobreviver
por tempo suficiente para fazer a diferença, até ser substituído por outro
melhor capacitado que se formou no âmbito do grupo. É como o macho alfa de um
bando de predadores, que tem seguidores enquanto conseguir sucessos, mas gera e
sustenta os que irão substituí-lo entre os amigos e adversários.
Conseguiu perceber os links com algumas narrativas de sucesso? Acredita que é
injusto? Não é, se olhar pela perspectiva da evolução. Tudo tende a um declínio
na natureza, chama-se entropia. A única forma de evitar a entropia é justamente
manter a evolução constante, isso significa tornar as coisas diferentes para
que continuem a funcionar, até porque tudo muda quando as soluções deram
certo. Algo que muda para permanecer igual tende a decair em sua energia
gerando a estagnação, a entropia. É por isso que há um movimento crescente da
distopia, aquele modelo literário que quebra as regras e tenta demonstrar da
forma menos idealizada os fatos, destruindo a jornada do herói e seus
maniqueísmos e tentando demonstrar que entre os dois extremos há um universo de
possibilidades interessantes, mas nem todas viáveis ou benéficas para os
envolvidos, por isso é importante ter cuidado com as escolhas que se faz e
quais regras pretende quebrar.
Foi nessa linha de argumentação que desenvolvi um modelo literário
diferenciado, para poder alcançar o máximo potencial da narrativa que se tornou
o eixo central da Saga SOBREVIVENTES. Em primeiro lugar abandonei a jornada do
herói, a jornada do anti-herói, a jornada do vilão e estabeleci um modelo em
que nenhum personagem é mais importante que o outro, mas todos tem um papel
fundamental no desenvolvimento da trama. Isso gerou um problema enorme para
compor a narrativa, não havia um modelo que pudesse me apoiar, era um terreno
pantanoso que tinha tudo para dar errado e apenas algumas possibilidades de
sucesso. Tive que refazer todo o projeto diversas vezes ao longo de seis anos
de trabalho, reformulando tudo até chegar ao ponto em que gerava os resultados
desejados. A narrativa cresceu tanto que não cabia mais em um único volume e
isso me obrigou a quebrar outro paradigma. Em Sagas é comum que a narrativa vá
evoluindo ao longo dos volumes que podem ser intermináveis, enquanto o leitor
tiver interesse, e as vezes não há interesse justamente porque são vários
volumes para contar uma história. A solução foi pensar de outro modo, mais de
acordo com a realidade das coisas e em consonância com o modelo que desenvolvi.
Se os personagens são importantes em sua história, e são relevantes na história
como um todo, mas nenhum é insubstituível, então porque não tornar cada livro
independente, fazendo parte de um todo maior que vai se construindo?
No modelo que construí para a narrativa distópica desenvolvida em
SOBREVIVENTES, o eixo central é a sobrevivência. Sem vilões, heróis,
anti-heróis, personagens centrais, mas com tudo isso junto, em histórias que se
desenvolvem em livros fechados, com início, meio e fim, mas que compõem e ampliam
o universo criado em que existem. São como peças de um quebra-cabeças em que
cada uma se basta, mas que quanto mais peças, maior a diversão. Percebi uma
coisa interessante nesse modelo, cada livro pode ser feito com um modelo
diferente, que pode até ter a jornada do herói e seus maniqueísmos, pode ter a
jornada do anti-herói e suas complexidades, pode até ter a jornada do vilão e
suas perspectivas, ou pode ter tudo isso junto e misturado em uma narrativa
diferenciada, como o volume de abertura que leva o nome da
saga, SOBREVIVENTES. Onde quero chegar com essa loucura toda? Não sei, não
há um objetivo a ser alcançado, mas uma jornada a ser percorrida que pode
ajudar aos que trabalham com os modelos clássicos a progredirem e pode ajudar
aos que querem romper com esses modelos a ver outras perspectivas, ao mesmo
tempo que ofereço aos meus leitores uma forma diferente de narrar essa aventura
e encantar, instruir, denunciar, questionar e divertir.
Antes mesmo de ser lançado o primeiro volume, desenvolvi três livros
dentro do modelo para verificar a funcionalidade. Estão prontos e serão
lançados seguindo uma estratégia de marketing diferenciada, porque, como
disse lá no início, precisamos inventar um mercado de livros no Brasil, e se é
para inovar, vamos fazer bem feito. A evolução é necessária e para que as
coisas funcionem, precisamos pensar que cada um dos envolvidos vai ter que
contribuir com a sua parte para a coletividade e fazer com que seja conquistado
algo que poderá nos dar uma nova chance de continuar tentando fazer melhor,
usando tudo o que já sabemos e todas as regras já estabelecidas, mas avançando
no desconhecido e inventando novas soluções para um mundo que tem que se
recriar constantemente, para se manter vivo e evoluindo. Não há outra opção
viável se quisermos continuar a nossa jornada em busca do melhor que podemos
obter, sem destruir os caminhos para os heróis, anti-heróis e vilões que
merecem ter suas histórias contadas e recontadas até que não sejam mais
necessárias.
Quer saber mais? Continue acompanhando nos meus canais o desenvolvimento desta
jornada. Apresentarei oportunamente todos os bastidores da Saga, os modelos
utilizados em cada um dos volumes, as técnicas de construção da narrativa e dos
personagens e muito mais. Conto com o apoio de todos para que possa realizar
essa jornada sem heróis ou vilões, mas com pessoas que vão dar o melhor de si
para atingirem um patamar mais elevado de evolução. Deixe suas dúvidas,
criticas, sugestões, apoio, nos comentários, todos serão parte desta história
que estamos escrevendo juntos. As coisas nunca mais serão as mesmas, e isso faz
toda a diferença no sucesso.
Danny
Marks, 2018
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