segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Meta onde???? - Claude Ustt


 -Zé, como era  aquela coisa que a  médica   falo  no posto uns  tempo atrás?
-Posto....médica?  Do que você  tá falando mulher?
-Zé, fais  tempo,   quando o pessoal do governo tava explicando os jeito  de  evitá  gravidez?
-Nossa Zulmira,  você bebeu? Acha  que lembro disso mulher... conversa doida!
-Conversa doida não,   bem que ajudou a genti a pará  de faze filho.
-Qué dize  filha né Zuzu, que desse mato não saiu nenhum cuelho!
-Si não esquecesse, ia lembra que ela falô  disso também. Quem faz o sexo da criança é o pa....
-Pô, essa istória   de novo!  Melhor mudá a conversa,   isso  sempre acaba em discussão. A janta tá pronta?
                                                            (....)
Sobre  a toalha xadrez os pratos estão arrumados. Embora  simples, percebe-se o capricho: garfos do lado esquerdo,facas  do lado direito, copos  de vidro barato, reluzentes, guardanapo de papel florido, dobrado em quatro.
Na pia a mulher  termina de  temperar a salada. Semblante triste por  não ter conseguido falar ao marido de suas angustias.
-Que foi mãe, tá chorando?
-Não menina, deixa de bobagem.
-Tá sim, não me enrola,conta logo, o que aconteceu?
-Deixa de ser boba Dany, num tá vendo qui sua mãe acabou de discacá  cebola?
-Teu  pai tá certo. Chama suas irmã, a comida tá pronta. A Géssica tem prova no cursinho, diz pra ela si apressá.
Durante o jantar Zé  se esforça pra disfarçar a tensão. Conta piadas sem graça,  ri mais que de costume, fazendo com que as quatro  filhas tenham momentos   descontraídos.
Não estivessem em plena  juventude mergulhadas   em suas prioridades, talvez percebessem que os olhos vermelhos da mãe, não são pelo  descascar de cebolas, mas de lágrimas por  temores que a pobre não tem espaço pra   falar  a ninguém.
Aos poucos a cozinha  fica em silêncio.José se apressa em levar Géssica  ao cursinho,  no velho fusca da família. Ela é    orgulho dos pais:  cursa o  último ano do ensino médio pela manhã, trabalha como recepcionista num consultório dentário à tarde,  e ganhou uma bolsa de estudos num cursinho preparatório para a universidade à noite.
Também  nada têm do que se queixar das outras três:  empenhadas em trilhar seus caminhos corretos.Zulmira é  uma mãe presente: pobre nos estudos,  incentiva e vê com orgulho  o quanto suas  meninas tem   gosto pelos livros.
Volta a chorar sozinha, agora de emoção,  ao lembrar da promessa das duas mais velhas outro dia após o almoço.
-Mãe, fica sossegada. Quando me formar  vou pagar uma empregada,  a senhora vai ver!
-Também  to nessa mãe. Quero ver dona Zuzu com a mão lizinha, perfumada, unhas bem grandes pintadas de vermelho.
- Outra coisa, a senhora vai fazer  algum dos cursos que vive falando!
-Estudar? Ficou doida menina, já passei do ponto.
-Passou nada.  Lá no cursinho tem um monte de gente de cabelo branco, que não teve chance antes  e agora está  tirando o atraso.
                                                      (...)
Deixando a cozinha  em ordem,  Zulmira relaxa no sofá da sala. As pernas andam doendo demais, talvez precise apressar a cirurgia de varizes.
Acaba caindo no sono e  tendo um sonho estranho:  Ela e o marido jovens, namorando sentados sobre a grama verdinha no Jardim Botânico.
Acordou com uma sensação esquisita,  lembrando que de fato vivera uma tarde assim. Estavam as vésperas do casamento,  José  insistindo  numa intimidade maior,  sorrindo  malicioso lhe entregara  um pacotinho de balas, cada uma delas  com um bilhetinho amarrado, um código quase secreto, que ela ruborizando entendera muito bem: quero a bala e  você.....
Encontrar no meio do caderno da filha mais nova, aquela   palavra repetida dezenas de vezes, tirou-lhe completamente o sossego, a fez recordar das insinuações libidinosas de outrora.
                                                        (...)
-Tá tudo bem mãe, to achando a senhora abatida!
-Tudo bem filha,só os problema de sempre.
-Não  vai mesmo contar né?  Ando percebendo sua  preocupação. Puxa vida, não sou mais criança, a senhora não confia em mim?
-Claro que confio filha,em você e nas suas irmãs,mas existe  tanta barbaridade por aí, qualquer coisa  diferente a gente entra em pânico.
-Tá vendo, tá acontecendo  alguma coisa,fala logo mãe!
-Ai filha, promete que não comenta com as meninas, nem com seu pai?Tô com  a pulga atrás da orelha por causa de umas coisas que li numa folha de caderno da Lu.
-Cartinha de namorado, recadinho, isso é normal na idade dela mãe, não esquenta.
-Se fosse isso.... é uma coisa feia de falar. Procurei  conversar  com seu pai,mas ele é ignorante, nem me deixou chegar perto do  assunto.
-Então  foi  por isso que a senhora tava chorando outro dia na hora da janta?
-Mais ou menos.Fui perguntar pra ele  como era aquele jeito que a médica do posto ensinou pra evitá filho.
-Nossa, a coisa é séria mesmo!
-Num to falando?Mas seu pai nem quis ouvir nada.
-Mãe, conta tudo desde o começo. O  que tem a ver o que a médica falou sobre anticoncepcional,com  a  folha de caderno da Lú?
-Vou  contar. Tô com um pouco de vergonha, mas você já  vai fazer dezenove anos e está estudando pra fazer faculdade de enfermagem,  tem tudo a ver,mas deixa eu falar de uma vez, senão não consigo tá?
Você sabe que casei muito nova,naquele tempo a gente não tinha essa intimidade de hoje em dia.Sexo só depois do casamento, é claro que muita gente dava umas escapadinhas, mas daí era um escândalo daqueles. Seu pai vivia insistindo num pouco de ousadia, mas eu era muito medrosa.No final foi bem difícil segurar,ele vivia me dando presentinhos com bilhetes maliciosos.
Outro dia quando fui limpar a estante no quarto de vocês, caiu uma folha de caderno da Lu com uma palavra feia escrita um monte de vezes.Lembrei das explicação da médica porque era o jeito que seu pai criticava os ensinamento da dotora.
-A senhora falou pra não interromper, mas não dá. De qual ensinamento a senhora tá falando e  qual é a palavra feia que a Lu escreveu?
-Taí essa palavra que você falou:interromper.  Eu perguntei pro sei pai e ele não lembrou. Como é aquela coisa de parar o sexo antes do.....bem antes do final, pra evitar a gravidez?
-Coito interrompido. Agora bagunçou de vez,o que isso tem a ver?
-Tudo ora bolas.Seu pai depois da palestra da médica,  chegou em casa criticando, dizendo coisas feias, como a palavra escrita no caderno da sua irmã.
-Ai meu Deus do céu, a senhora tá  querendo me enlouquecer?  Conversa sem pé nem cabeça!
- Espere um pouco. Olha a folha do caderno da sua irmã,veja o que está escrito  aí um monte de vezes! Só pode  ser recadinho secreto  de um namorado sacana que tá querendo se aproveitar da inocência da pobrezinha.
-Mãe, então é essa palavra que causou a confusão na sua cabeça?
-É essa  sim, a mesma que seu pai dizia fazendo gozação com o que a médica do posto tinha ensinado.Dizia que não ia passar o resto da vida interrompendo o bem bom, ficou falando um tempão,lembro como se fosse hoje.
Meta fora, meta fora, a doutora que use esse método de evitar barriga,comigo não, isso é contra a natureza!
-Mãe, calma. Senta aqui pertinho,  vou explicar:  Essa palavra no caderno da Lu não é o que a senhora tá pensando. É da aula de português, fui eu quem dei a dica dela escrever várias vezes pra memorizar,e não é meta fora é metáfora!
-Me...metáfora e não meta fora. Eu nunca ouvi essa palavra,  puxa vida filha, como é bom a gente ter estudo, tava num sofrimento danado,com a cabeça cheia de caraminholas. Quanta  burrice meu Deus, justo eu que vivo criticando seu pai por ser ignorantão!
-Calma dona Zuzu, não precisa ficar se martirizando. Vou pegar um livro de português pra explicar pra senhora  do que se trata. 

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