quarta-feira, 30 de junho de 2010

AUTO DA TRANSIÇÃO: DO PARAISO TROPICAL AO INFERNO BRASILEIRO


10 Personagens:
- Santa
- Diabo
- Anjo
- Demônio
- Zé do Povo
- Scotch Girl
- Juíza
- Policial
- Política
Adaptação: Danny Marks
Roteiro adaptado da Obra de Gil Vicente (Auto da Barca do Inferno)

Apresentação:
Em um dia normal, muitas são as almas que deixam seus compromissos mundanos e se encaminham para o lugar que há entre este Mundo e o Melhor. No limite dessa fronteira terão que suportar o crivo daqueles que dividem o joio do trigo.
A estes personagens daremos o nome de “Anjo” e “Demônio”. Serão os responsáveis por definir os que vão subir e os que continuarão a queda.
Mas, do alto a Santa assiste o drama da Vida e da Morte.

Entram os personagens: Política, Scotch Girl, Zé do Povo, Juíza e Policial conversando.

Politica: Isto é um descabimento! No auge da minha campanha; agora que eu ia dar o grande salto da minha vida, me acomete a desgraça da morte.

Juíza: Ia dar um grande golpe, isso sim. Mas já estava quase a lhe botar a mão.

Zé do Povo: Ora, não me diga que também estava envolvida com o escândalo do mensalão.

Policial: Do mensalão, do semanão, do avião. Essa é das que guardam dinheiro na cinta liga.

Scotch Girl: Epa! Guardo sim, na liga, no sutiã. Qual é o problema? Quando o cliente paga a gente têm que guardar logo. Não dá pra ficar rodando a bolsa com dinheiro dentro. Se tivesse mais segurança não havia essa preocupação.

Juiza: Segurança tem, mas a corrupção é forte, não há lei que dê jeito nessa parte.

Policia: Não vem com essa de corrupção, não. Eu até prendo, é a Juíza que solta. Pra economizar, a gente já prende e solta logo de cara, né?

Politica: Eu sei bem qual é a cara que você gosta! Aquelas estampadas nas notas.

Zé do Povo: Eu é que não tenho nenhuma cara. Nem de nota, nem a minha. Só ganho rosto de verdade, quando pedem a identidade, pra votar em eleição.

Juíza: E onde anda o seu título?

Scotch Girl: Isso ai não tem título não. É Zé do Povo, nem cara, nem dinheiro, nem memória tem. Nem lembra o que comeu, é só mais um desgraçado que se perdeu.

Zé do Povo: Epa, que lembro sim! E quando comi paguei direitinho. Tim tim por tim tim. Não me venha cobrar de novo que não sou bobo da corte, sou Zé do Povo.

Em meio a essa balburdia entra o Demônio apressado gritando para todos:

Demônio: Ei gente de bem que agora veio pro além. Eu sou seu anfitrião e vou levá-los ao ultimo rincão. Não há rico, pobre ou classe média, que se furte dessa sorte. O que contribuíram para a vida é que lhes dá o destino na morte. Venham todos comigo, que o inferno lhes dá abrigo. São todos bem vindos a entrar. Sair... não é caso que se possa considerar.

Política: Espere que deve haver engano. Fiz muitas obras em vida.

Juíza: Pois conte então o restante. Metade do dinheiro ia para o bolso, ainda que as paredes desabassem sobre crianças junto com os livros da estante. Não é de terremoto que caía, mas de problemas na alvenaria.

Política: Pois então lhe conte a sua parte. Quanto me pedia para deixar passar? Propina era a sua arte. Há vídeos para provar.

Demônio: Não se desesperem as duas, que já tenho a lista completa. É um prazer escalar para o inferno uma dupla tão seleta.

Policial: Leva aquela também. Mulher de vida fácil e desregrada. Abria tudo para tantos que não tem mais vida privada. Cansei de prender e soltar a mando dessa juíza, depois me acusam de corrupto! Logo eu que só fiz cumprir a lei. E agora, morto, qual recompensa terei?

Scotch Girl: Recompensa? Essa já lhe foi dada! Quatro tiros no peito dados pela bandidada. Pensou que a farda lhe privaria da justiça do submundo? Comprou droga e não pagou, vai consumir lá no fundo. E não me venha de novo com olhar de súplica, que não lhe perdôo nenhuma dívida, seja na cama, no banho ou na mesa. (dirigindo-se a platéia) Dizia que da vida na rua ia me tirar e o que fez foi o meu dinheiro roubar. Apodreça no inferno! Chifres já os tem, enquanto fazia a ronda, ficava a mulher no vai e vem.

Entra o Anjo majestosamente em seu manto branco. Passa ao largo da multidão que está com o demônio a discutir, evitando olhar para eles como se aquilo não lhe dissesse respeito.
É visto pela multidão que lhe corre ao seu encalço suplicando perdão.

Scotch Girl: Anjo poderoso do Eterno, precisa me salvar. Este demônio maldito, pro inferno quer me levar. Lembra que o teu senhor e meu, outra prostituta perdoou, faz por mim o mesmo que uma boa recompensa te dou

Anjo: Mulher te afasta, que amarrotas o meu manto. Em tua boca não deveria haver palavras para me comparar com o Santo. Cumpro apenas meu papel, se fores ruim na vida ao inferno te destinas e, do contrário, ao céu te levarei. Não me seduzas com os prazeres da carne, que esta não mais te pertence. (Olha para a prancheta que traz e diz): — Não há aqui qualquer indício de que virtudes tenha. Do sexo fizeste vício sem arrependimento! Do prazer viveste, agora te destino ao tormento!

O demônio arrasta a mulher para fora. Vem a política em prantos.

Política: Não creio que vá me condenar, pois a muitos eu pude ajudar. Veja este nobre cidadão, quantas vezes lhe dei o pão? (Aponta para Zé do Povo)

Anjo: Sem dúvida o pão lhe deste, e somente a isto concedeu. Todas as outras iguarias guardaste para ti. Davas o mínimo para ter um voto dele e veja o que aconteceu. (olha com desprezo para Zé do Povo e se volta para a politica dando as costas ao pobre)Traíste a confiança dada, roubando até a mesada das crianças que defendia. Que triste alma penada por mim eu te tornaria, mas a LEI seja aplicada. Ao inferno te conduziria, se a outro não coubesse tal incumbência. Vai e... aproveita a permanência.

O Demônio rindo arrasta a política para o inferno. A Juíza corre e se abraça ao Anjo.

Juíza: Senhor dos Céus, é para mim um espanto que haja de verdade tal poder. No estado laico tive que fazer cumprir a lei, e agora diante de lei maior me encontro. Que haja perdão aos pecados, no máximo uma pena comutativa, pois sempre cumpri meu dever.

Anjo: Perdoaria- te todos os crimes e te daria a clemência! Não fosse o fato de que o poder lhe fez surgir a demência. Pensas que não te acompanhei no teu prazer de punir? Agora me pedes para fazer aquilo que não soubeste fluir? (olha para a multidão e se justifica) Para prisão mandaste a todos, com ou sem razão, o que te interessava era o gozo, o poder da decisão. Pois então eu decido que é hora de fazer valer a JUSTIÇA DIVINA, esta não falha! No inferno vais arder. Vai-te maldita gralha!

O Demônio arrasta a Juíza para o inferno e a policial amedrontada se esconde atrás de Zé do Povo.

Policial: Vai lá e fala com ele. Quem sabe ele te ouve? Já mandou para o inferno a tantos, que nem sei se há paraíso. Havendo me mostra como se faz, diz o que preciso. Faz isso e te protegerei!

Zé do Povo: Oxê que agora a coisa muda, antes tinha eu que me esconder de ti. Ai de mim se roubasse um naco de pão para de fome não morrer; agora me pede que eu o represente? Logo você que cumpriu lei tão exigente? Que de surra me encheu, até na frente de filho meu? Mas, se há justiça de verdade, o perdão deve ser dado, pois que não se faz ao outro o que a si não é desejado. Falo eu com ele, e que sejamos redimidos, pois do contrario nós dois estamos é...

Policial (interrompendo Zé do Povo): vai fala logo com ele que eu te acompanho.

O policial se esconde nas costas de Zé do Povo, empurrando ele para o anjo como um escudo.

Zé do Povo: “Seu” Anjo quero lhe perguntar, se na casa de Deus gente humilde pode entrar.

Anjo: Humildes e puros de coração, só assim a Deus verão.

Zé do Povo: Mas não tem perdão nenhum delito? Unzinho assim que seja. Roubar para comer não é o mesmo que inveja, qualquer um há de saber.

Anjo: Não sou eu quem decide isso! Apenas cumpro o meu ofício. Levo para cima os que forem bons, e os outros que se entendam com aquele...(aponta para o demônio) Até o dia do Juízo Final! Pior que a morte na vida é a morte espiritual.

Zé do povo (para a Policial): Tu viu? Não deu. Agora vai pro inferno tu e eu.

O Demônio ouvindo isso se alegra e já arrasta o policial para o inferno e retorna para buscar o outro infeliz que assiste horrorizado. Zé do Povo em desespero se ajoelha diante da Santa e lhe diz:

Zé do Povo: Senhora de todas famílias, eu lhe imploro neste momento! Livra minha esposa e filhos deste tormento. Não lhes abandone nessa hora de dor, e no futuro, que os leve para junto de Deus Nosso Senhor! Se para o inferno sou levado, na vida nada deixei de bom, que a suplica aos céus seja o legado aos filhos do meu coração.

A Santa (desce do altar ordenando ao demônio): Espera!

O anjo se curva e se afasta. O Demônio se encolhe.

Santa: Eu assisti ao que aqui se passou, e nem um pouco me agradou (olha para o anjo que se encolhe de medo. Volta-se para o Demônio e diz:) — Este que levas agora, ao inferno não pertence.

Demônio: Cumpro o que me foi dito! Mas o mestre vou chamar. (cochichando para a platéia) Em briga de gente grande, nem demônio deve espiar.

Entra o Diabo aparece em seu terno majestoso.

O Diabo: Quem ousa interromper o processo divino de divisão de Almas?

Santa: Aquela que prega a união e o perdão.

Diabo (depois do susto inicial retoma sua postura): Mas isso é contra a ordem das coisas. Todo mundo sabe que o que está em cima sobe e o que está em baixo, desce.

Santa: Não vou discutir contigo o que deve ser feito! Este pediu perdão dos pecados e o perdão foi aceito.

Zé do Povo: Se não for pedir demais, senhora. Pode interceder também pelos que aqui estavam?

Santa: Acabo de te livrar do inferno e queres mais ainda?

Zé do Povo: Dizia a minha vózinha: “A bondade é a gente que faz”. A grandiosidade da Senhora, alcançar ninguém é capaz. Veja quantas tristes histórias este povo aqui contou, muita miséria e desconfiança, alguém tem que lhes dar esperança, ou não haverá futuro para os que ficam do outro lado da vida.

Vão entrando os condenados e se alinhando ao fundo sem que o Diabo e o Demônio percebam.

Diabo: Assim não pode, assim não dá. (ironizando a fala de Zé do Povo ) Chega um cabra do norte e logo o inferno qué esvaziá.

Santa: Ele está certo! Esse pedido não posso negar. Se esse povo sofrido não tiver esperança, como é que o céu vai ficar? Solta essa gente danada que hoje prendeu, e que nova chance lhes seja dada.

Diabo: Diacho, não recuso a ordem dada! (Fica pensativo e retruca) Mas é preciso que haja uma maneira de manter o meu respeito.... Já Sei! Vou mandar todos pro Brasil que aquilo não tem mais jeito. Logo retornam pro inferno e é gente pra daná.

Zé do Povo: Isso é o que veremos, seu Diabo, pela Santa foi dada oportunidade. Se basta um para mudar a situação, que haja um Zé do Povo em cada comunidade. A alegria do povo, há de retornar, e um Brasil novo, nós há de arrumar. Pela educação do povo....

Todos em coro: — O FINAL DESSA HISTÓRIA VAI MUDAR.

E começa o carnaval....

“Isso aqui Oh Oh, é um pouquinho de Brasil IA IA....”

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