Existem
histórias que acabam não sendo contadas, não por sua importância, mas por
outros fatores que nem sempre dominamos. Esta história envolve literatura,
ficção e vida real, sem barreiras separando-as. Aconteceu no domingo,
18/08/2019, em Paranapiacaba/SP onde ocorriam dois eventos simultâneos. O
Festival do Cambuci, com diversas iguarias feitas a partir desta fruta e o VI
Steamcon Paranapiacaba, um evento steampunk. Para quem não conhece o Steampunk
é uma variação literária originada do Movimento Cyberpunk que renovou a Ficção
Científica em bases diferentes, demonstrando que nem sempre a tecnologia traz
em seu bojo as sementes de uma sociedade melhor; por ser uma ferramenta
necessita de pessoas melhores para que os seus resultados sejam proveitosos
para todos. Com essa premissa básica surgiram inúmeros subgêneros da Literatura
Cyberpunk (que se tornou um gênero literário em si, com variantes próprias),
entre eles o retrofuturismo vitoriano, também conhecido como Steampunk.
Paranapiacaba
tem sua história vinculada às ferrovias, cujas locomotivas antigas usavam a energia
do vapor para se deslocar. Junto a sua bem preservada estrutura de uma cidade
interiorana com casas em modelos que lembram as antigas construções (algumas
são desse período mesmo, restauradas e preservadas) e o clima montanhoso e
cheio de cenários e histórias fortes, tornou-se um ponto ideal para as pessoas
que criam personagens baseados no modelo ficcional do Steampunk, com
acessórios, armas e roupas que lembram a época vitoriana em especial ou
variações que remetem ao tema e seguem um possível avanço tecnológico
alternativo. Steamplay é mais do que criar um personagem, é criar uma história
para o seu personagem e incorpora-lo durante os eventos, reconstruindo a
literatura em bases concretas, mesclando-a com a realidade de forma harmônica
para além da imaginação.
Ok,
este é o cenário básico da minha história real, mas serve apenas para pano de
fundo da cena em si. No dia citado compareci como autor e apreciador de eventos
literários. Sempre é bom conhecer mais pessoas e situações, sem falar em
cenários que posso usar em algumas das minhas narrativas. Mas, como sempre
digo, mais importante do que os cenários são as pessoas. É nesse ponto que
entra a minha mais recente amiga Rosana Martim. Eu havia andado
pela cidade sob um sol forte, usando roupas não tão adequadas a um clima
desses, ainda mais que nunca se sabe quando vai fazer um frio congelante ou um
calor escaldante, às vezes as temperaturas sobem ou descem de forma
assustadoramente sobrenatural por lá, fica o aviso.
Cansado
depois de um dia com diversos eventos e atrações, depois de ter visitado
diversos lugares e ficado com a certeza de que não conseguiria ver tudo o que
gostaria, não importando quantas vezes retornasse (que dirá em um único dia),
passei em frente a uma das casas que também abriga um comércio. Convidado por
um amigo que foi comigo na excursão para o evento, me sentei para terminar de
tomar o sorvete de morango com leite condensado e cobertura de limão (parece
absurda a combinação, mas estava excelente). Sedento pelo sol, pelo sorvete e
por ter desidratado em bicas durante o dia, resolvi comprar uma água no café
que há dentro da casa. Perguntei a dona Rosana se tinha água e ela me disse que
não tinha nenhuma para vender, mas me ofereceu uma água aromatizada com ervas
de sua fabricação.
Eu
queria água gelada, ela percebeu isso, a aromatizada era ao natural, então me
perguntou se servia uma “torneiral estupidamente gelada”. Eu brinquei que só
aceitaria se fosse assim, já que não poderia comprar a água iria ser exigente.
Ela riu e pegou no freezer um copo de água que estava quase congelando. Reparei
que era um copo plástico comum, desses que se usam para beber, não era um
empreendimento de fazer gelo ou algo do tipo. Aceitei a generosa oferta
percebendo que se destinava a dona do estabelecimento que ao ver a minha
frustração em não ter uma água fresca para matar a sede, resolveu me ceder sua
própria.
Bebi
com satisfação e agradecimento, aceitei depois mais um copo de água
aromatizada. Naquele momento me lembrei do romance Um Estranho em Uma Terra
Estranha do Robert Heinlein que trata sobre um humano criado por marcianos e
que considera como uma oferenda de irmandade, um copo de água. Para quem
conhece a história fazer paralelos é muito simples, para quem não conhece, fica
a recomendação de uma excelente novela de FC. Assim que percebi que havia
recebido uma graça dessa graciosa pessoa que é Rosana, me senti compelido a lhe
dar algo tão simbólico e dadivoso quanto. Peguei o meu boton de Sobreviventes,
com a triqueta enlaçada (símbolo celta da trindade divina, do infinito, das
boas energias universais de prosperidade e fartura que também representa o meu
livro SOBREVIVENTES) e presenteei a minha “irmã de água”. Meu celular estava
com a bateria quase no fim e achei até que já havia “morrido”, me despedi da
senhora e fui até a feira comprar um licor de cambucí em uma caveira de vidro
(queria levar algo de lembrança, com muitas ideias delirantes na cabeça).
Então
em um impulso resolvi verificar o meu cel e vi que restava uma faixa vermelha
de bateria, mas ainda não havia “morrido”. Voltei até a casa da Rosana e pedi
para tirar uma foto com ela, se conseguisse. Um rapaz que havia estado lá
tomando um café e estava de saída, e que acompanhara todo o caso, se ofereceu
para bater as fotos antes de ir. Agradeci esse gesto de bondade também. Como
falei para dona Rosana, uma gentileza se paga com gentileza e isso torna o
mundo melhor para todos. Estava provado o fato naquele momento. Tiramos as
fotos, peguei o cartão dela para enviar a foto e prometi divulgar a sua loja.
Mais do que isso escolhi divulgar a generosidade de Rosana do espaço colaborativo de artesões Mutyrô (mutirão em tupi-guarani) em Paranapiacaba.
Conversamos
sobre o meu livro e ela sempre generosa escutou com atenção. Ainda a vi depois
pouco antes de voltar ao ponto de encontro para o retorno e dei um aceno de mão
que ela me retribuiu. Fiquei com a marca desse mágico encontro em uma cidade
mágica, em meio a um evento cheio de magia e literatura, agraciado por uma água
fresca, pela generosidade e pelas ervas aromáticas. Existem histórias que
jamais vão ser contadas, muitas vezes por que nos perdemos em meio a tantas
questões menores, mas esta faço questão de deixar registrada, principalmente
porque são esses pequenos gestos que renovam a minha fé no Ser Humano e na
Literatura que sempre se preocupa em nos apontar os caminhos bons e ruins para
que possamos fazer nossas escolhas conscientes da responsabilidade que
adquirimos com nossos atos.
Não sei se ainda volto em
Paranapiacaba, o futuro não nos pertence, embora sempre estejamos tentando nos
apossar dele e determina-lo. Não sei o que dona Rosana, minha irmã de água vai achar
ao ler esta crônica, mas a história será contada e recomendo a quem for à
Paranapiacaba que procure o Mutyrô da dona Rosana. Houve tantas outras
histórias interessantes neste dia, mas isso fica para outro momento, esta é a
história da Água Aromatizada de Paranapiacaba, e é tudo o que precisa ser.
PS:
Corrigi os nomes com base no gentil email que recebi de Rosana MARTINS, do espaço colaborativo para artesões MUTYRÔ. Essas informações eram provenientes de um cartão de visitas que não estava muito legível e por isso o erro, mas aqui está parte da resposta da minha amiga por email e o motivo das alterações.
"
Muito obrigada pelas fotos e pelas referências a meu gesto tão...
simples: um copo de água!
Mas acho, como você, que é isso mesmo... os pequenos gestos talvez
sejam os realmente grandes, aqueles capazes de mudar o mundo.
Meu nome é Rosana Martin. O nome desse espaço em que você tomou
água é Mutyrô ("Mutirão", em tupi-guarani). Somos artesãos reunidos
nesse espaço colaborativo.
O Funicularte não é meu... somos artesãos, na área de cerâmica,
que trabalham em Paranapiacaba.
Obrigada mais uma vez por tudo. " Rosana Martin
Eu é que agradeço, sempre, os gestos de generosidade que são distribuídos tão graciosamente. Com certeza vão mudar o mundo.