quinta-feira, 26 de junho de 2014

Soneto de Fidelidade – Vinícius de Moraes

 De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
 
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angustia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Estoril, outubro,1939


(MORAES, Vinícius. Antologia Poética. São Paulo. Companhia das Letras, 2010. 326p)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Amor em tirinhas...



segunda-feira, 23 de junho de 2014

Era uma vez uma sala de Aula – Danny Marks

 (Passeando pela internet encontrei um texto creditado a Luiz Moreno (2014) chamado de “como irritar seu professor” e achei bem interessante. Acredito que muitos alunos devem tê-lo lido, pois é muito comum que o citem – inadequadamente, devo dizer, não fazem referência ao autor. Marcelino Freire (2014) diz que gosta de escrever sobre aquilo que o incomoda. E este texto me incomodou por não ter as respostas que acredito o “professor” poderia ter dado de forma que houvesse um dialogo completo. Então resolvi, fazer a minha própria versão privilegiando essa parte. Obviamente trata-se de um texto literário que, como afirma Compadre Washington (2014), é completamente “inocente, não sabe de nada”.)

            Depois que o professor já escreveu até a metade da lousa um aluno pergunta:
— É para copiar?
De forma alguma! É que tenho uma compulsividade para preencher espaços vazios com palavras.
É pra responder?
— Qual pergunta? A sua ou as minhas?
— É pra fazer agora?
Se preferir pode deixar para o próximo ano quando estiver cursando esta mesma série.
— Vai valer ponto?
— Não só ponto como também virgulas, acentos, concordância verbal e nominal, coerência, coesão...
— Cai na prova?
Se não cair na prova é que caiu durante o percurso...
— É pra trazer o livro?
— Claro que não, basta você decorar ele inteiro.
— Posso usar o celular?
Só se for no banheiro...
— Quantas linhas eu pulo?
— Todas que ficarem entre a imaginação e a inteligência.
— Que dia é hoje? (a data do dia já estava na lousa desde o início da aula)
— Depende da perspectiva. Pode ser o primeiro dia do resto da sua vida, ou o resto da sua vida.
— É pra copiar de caneta ou de lápis?
— Faça a lápis se quiser economizar caderno para o próximo ano, ou a caneta se não quiser escrever tudo de novo.
— Você é professor de qual matéria mesmo? (aluno do 2o bimestre)
— De estudos comparativos entre Élfico e klingon na perspectiva Grega. Ainda não tinha percebido?
— Como é seu nome mesmo? (aluno no 30 bimestre)
— Em qual língua?
— Você só da aula ou também trabalha?
— Na verdade eu só estudo. Isto aqui é meu Mestrado para Serial Killer.
— Meu caderno acabou, o que eu faço?
— Pegue as bolinhas que atirou nos colegas, desamasse e as use corretamente desta vez.
— Esqueci o trabalho em casa, posso entregar na próxima aula?
— Não precisa. Guarda ele para o próximo ano.
— Minha resposta está certa? Falta alguma coisa? (durante a prova)
— Deixe-me ver... Estudar mais? 
— Eu não sei a resposta, deixo em branco?
Claro, preencho depois em vermelho. Lembra da minha compulsão?
— Ué, hoje tem prova?
Não, é só um ensaio sobre o que vai dizer aos seus pais quando for reprovado.
— Hoje tem prova de quê?
Do que vai dizer aos seus pais quando for reprovado?
— Vai ser de consulta?
Sim, pode ser. Comece consultando o início da folha onde diz “Prova individual, sem consulta”.
— Pode ser em dupla?
Claro, se junte o seu neurônio com o do seu colega ali, se juntarem alguns milhões vão ter um cérebro.
— Trabalho? Que trabalho?
Aquele que você conseguiria se tivesse estudado.
— É pra responder com as minhas palavras?
— Não precisa, só me diz de quem copiou para poder dar a nota pra ele.
— Esqueci de estudar, posso fazer a prova amanhã?
— Posso estudar a sua proposta e responder amanha?
— Professor, quando o senhor vai faltar?
Provavelmente no mesmo dia que você
— Professor, o senhor nunca fica doente?
Ate hoje não tinha ficado.
— Você sabe se a gente vai sair cedo hoje?
Eu tenho que ficar ate o final, aquela coisa de que o capitão afunda com o navio...
— Vai ter que escrever muito hoje?
Claro que não, só até você aprender.
— Quanto você ganha?
Para os políticos mais do que preciso, mas cada vez me parece menos do que mereço.
(...)
— A reunião vai demorar? (mãe do aluno antes que a reunião sobre o seu filho comece)
— Depende, a senhora pretende matricular o seu filho nesta escola no próximo ano?


Texto Original abaixo:

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Coluna D2 e a Estreia do Brasil na Copa – Danny Marks


                — Boa Tarde amigos da Coluna D2, estamos aqui ao vivo entrevistando os principais participantes deste maravilhoso espetáculo que é a Copa do Mundo, os expectadores.  E vamos começar com este rapaz animado que está logo aqui. O senhor é quem?
                — Eu sou o líder da torcida dos Otimistas.
                — E o que o senhor pode dizer da abertura da copa, neste primeiro jogo do Brasil.
                — Ah, velho. O caneco já é nosso, é só uma questão de tempo, tá? Porque estamos jogando em casa e a copa é parte da casa, tá? Aqui é diferente, não é como lá no país dos cara que tem trutagem, tá? Aqui não, aqui é Brasil, tá? É nóis, mano velho, já era. Agora é só nóis.
                — Perfeito, agora vamos entrevistar a líder da torcida feminina que está aqui do nosso lado. Ah... moça, a câmera está ali... e... fale no microfone...
                — Oi genteeee! Eu queria mandar um abraço para a minha mãe e para a Vi...
                — Nos gostaríamos de saber a sua opinião sobre a copa...
                — Ah, eu acho que poderia ser mais ampla, sabe? E não gostei muito das cores não...
                — Eh... entendo... E quanto aos jogadores? A senhorita acredita no potencial do time brasileiro diante desse adversário difícil?
                — Ah, o Hulk tem um tremendo potencial, não é meninas... Uhuuu... (aplausos das “meninas”). Aquela bunda dele ficava bem servida na minha copa... (mais aplausos das meninas) e o...
                — Então vamos entrevistar agora esse senhor que está totalmente ligado no jogo. O que o senhor está achando da estreia do Brasil na copa?
                — Hein? Jogo? Ja tá jogando? É nois mano, a favela vai invadir a copa, é nois vei...
                — O jogo já está no segundo tempo e...
                — Segundo? Mas eu só to começano, qué uma cerva? Eeeeiii! Traz uma gelada pro reporte aqui, vei... Ih, ó lá, os cara já começou a fazer gol, vei.
                — ah... esse foi o replay do primeiro gol. Foi gol contra do Brasil...
                — Brasil... Brasil... é nóis vei. Primeiro gol do Brasil... dá mais uma aqui pra comemorar... Eeeeiiii aqui ó....
                — Eu já sabia. Isso não podia dar certo.
                — Ah... nós somos da Coluna D2 e estamos entrevistando os torcedores, o senhor é quem mesmo?
                — Eu sou da torcida dos Pessimistas, essa copa é um embuste, mais uma manobra do governo para mascarar as falcatruas, tá sabendo? E a prova está ai, já compraram os jogadores para entregar o título e aumentar os lucros por baixo dos panos (Vaia geral)...
                — Mas o Brasil está ganhando...
                —...la besteira... esse...
                — Vamos entrevistar este senhor que aparentemente tem uma opinião contrária. Interessante o seu uniforme de torcedor, paletó e gravata verde e amarelo...
                — Eu sou o porta voz do representante do setor de imprensa da torcida organizada oficial. E o que estão falando ai é pura besteira. Esta vai ser a melhor copa do Mundo, tudo já foi planejado e está sob controle. Esse gol contra foi para garantir que fosse o Brasil a iniciar a copa no mais puro espírito do brasileiro, um povo aberto, alegre e generoso. Demos de presente esse gol para o adversário porque acreditamos no nosso potencial de vencer os desafios. A copa é nossa... Braziu... Braziu... Braziu...
                — E agora vamos entrevistar este senhor que está sentado aqui. O que o senhor espera...
                — Eu quero andar! Eu também quero andar!!!
                — Bem meus amigos, como podemos ver a torcida está animada, totalmente comprometida com os jogadores do.... ei... vol...ta... lad...rão... mi...cro...fone (correndo). Que é isso? Que cê tá fazendo?
                — Ah, o senhor desculpa, não vi que era da imprensa. Pode pegar de volta. Não vai divulgar essas imagens, não é? Foi só um engano, vestido desse jeito achei que fosse estrangero.
                — O senhor não tem vergonha? Sair assaltando os torcedores...
                — Não, só estou assaltando os gringo, sabe como é, essa coisa de Robi Uoode, até fiz curso de inglês pra facilitar, né? Sabe como é...
                — Curso de inglês? Como assim?
                — Pois é... chego nos gringo e já vou intimando: No fuque me! Passa monei. Nou! Go... GO... Viu só? No estilo!
                — É... percebi...
                — Seguinte, não divulga as imagens que fica mal pros negócio.
                — Mas se o senhor está preocupado com a imagem do Brasil lá fora, porque está roubando os turistas?
                — Quem falou que estou preocupado com a imagem do Brasil. Só não quero é concorrência...
                — Quer saber... Amigos da Coluna D2, aqui encerramos a entrevista com os torcedores. O Brasil dominou a partida com... quatro gols? ...Um para os adversários... Ok! E também tivemos um paraplégico andando, mais uma prova de que Deus é Brasileiro... e que Ele nos ajude... Até a próxima com mais uma Coluna D2!... Fecha logo essa porra e vamos embora antes que aquele trombadinha volte... e o negócio é o seguinte, amanhã não trabalho! Vou comemorar... que se foda...

domingo, 1 de junho de 2014

Amanhã do Nunca Mais – Danny Marks


                Agora falta pouco para este instante desaparecer, mas insisto em ficar aqui.
                O sol ainda não conseguiu aquecer a brisa da maresia, o suor frio do banco de concreto que varou a noite em solitária companhia. Ainda não apareceram as hipnóticas ondas de vapor que brotam nos primeiros instantes de forma quase sufocante, como um grito de alegria preso na garganta do dia.
                Os primeiros caminhantes, corredores, aparecem e se assustam com a capa e o chapéu muito mais do que com o objeto em minhas mãos, mas desviam, envergonhados ou assustados, os olhos dos olhos que fitam sem pudor.
                Eu poderia estender infinitamente esse instante, congelado holograficamente como uma ínfima fatia de um rio. Mas isso seria redundância, já foi feito antes por algo maior.
                Observo os mundos globulares invadindo pouco a pouco os caminhos transitáveis em trajetórias assimétricas pré-determinadas, sobre duas, quatro, muitas rodas, solitários ou em grupos, alguns apenas sobre calçados bípedes de formatos coloridos.
                Novamente noto a falta que sinto da cor, da ordem caórdica que permanece subjacente ao caos... Não posso pensar nisso agora, não posso desperdiçar este momento novamente.
                A moça se aproxima em arrojada iniciativa e senta ao meu lado confiante na sua capacidade física e intelectual de sedução, e por um breve instante gostaria de ser outro. E perco mais um instante precioso.
                Ela fala algo que respondo com uma parcela de cognição, um fio que posso deixar solto do complexo emaranhado dos meus pensamentos, ancorando aquela possibilidade sanguínea das variáveis universais que continuam seu trajeto, agora mais indiferentes.
                Um par sempre causa menos estranheza ao conjunto que um Imago, ainda que a junção dicotômica possa causar o estranhamento rapidamente justificável pela sexualidade lasciva que é invocada do inconsciente ou das memórias de curto prazo.
                A Seminudez provocativa postural dela se digladia com a minha indiferença hermética, mas a excitação está no ar. Observo seu efeito nos músculos que se tencionam no macho alpha, esculpido em aparelhos anatômicos rudimentares e em químicas perigosas, apertados ainda mais nas roupas escolhidas para valorizar a forma física.
                O olhar dele cruza com o meu em um desafio mudo que se aproxima. Ressentimento e inveja resignificam o pisar que endurece como a querer esmagar as pedras do calçamento. Mantenho fixo o foco visual, não é um convite para uma contenda, mas uma análise profunda atitudinal. Prevejo em frações de segundos as possibilidades de um ataque e as inúmeras formas de neutraliza-lo eficientemente.
                Só quando o medo invade aqueles olhos que se desviam em curso e trajetória percebo o quanto fui influenciado por meus pares indesejados. Tornei-me sem querer um eficiente predador que abate a sua vítima antes mesmo de consumar a sua morte.
                Percebo naquele discurso não verbal todas as implicações obscuras que entrelaçam os discursos de sexualidade e política em nuances agressivos/passivos e consigo ler toda a história antecedente com uma resignificância inusitada que me surpreende e me faz sorrir como há muito não ocorria.
                A moça ao meu lado faz sua própria leitura, conseguindo por sua vez a parcela de interpretação que julgava merecedora e satisfeita de ter escolhido a abordagem correta se despede com expectativas totalmente próprias, e incorretas, de um futuro próximo que já projeta em torno de controles e amarras que possa manipular.
                Eu a observo afastar-se, como o passado se distancia do momento atual, deixando seu rastro perfumado, evanescente, a se esgarçar no tecido do espaço/tempo que permanecerá fixo enquanto a minha mente se desloca pelos quadros de possibilidades.
                Em outra realidade eu a tomaria nos braços antes que partisse. Em outra realidade eu abateria o predador antes que percebesse os seus impulsos de se tornar vítima. Em outra realidade eu não estaria aqui. Em outra realidade...
                Aqueles que julgam me conhecer não conseguiriam perceber a infinidade de mensagens que o silêncio encerra e, portanto, jamais vão compreender a mim ou ao meu universo, e isso me torna ainda mais vazio de possibilidades e pleno de outras tantas.
                Em outra realidade este momento jamais seria possível, ou seria conquistado de tantas outras maneiras e com tantas outras correlações que infinitas linhas se desenrolariam criando inúmeros nos de um futuro que talvez jamais se realize novamente.
                Ajeito a capa e o chapéu, está na hora de voltar.
                Desapareço diante do olhar indiferente dos que nunca me viram e que, agora, jamais vão voltar a ver.

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