domingo, 28 de agosto de 2011

Embriagados - Danny Marks


É preciso que vos embriagueis de vinho, poesia ou virtude para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embragai-vos sem cessar, já alertava Charles Baudelaire, esse periférico poeta de outros tempos e lugares. Não que Renata, a pura, tivesse algum dia conhecido o cidadão em sua vida, mas é possível que em sua extraordinária visão poética Charles a tivesse vislumbrado no futuro distante de um pais em crescimento e sua história lhe tivesse inspirado.
                Renata, fruto nascido e criado na periferia, embebeda-se em virtudes, em poesias e em vinhos ou qualquer substrato alcoólico que lhe chegasse às mãos e aos lábios. Essa era a sua habilidade natural, desenvolvida ao longo da emocionante história que um bom escritor poderia tornar romance, um poeta escrever em versos e um periférico converter em música, no estilo que estivesse em voga no momento.
                De emoções se vive e se morre na periferia, e ninguém pode dizer que não há virtude em sobreviver a tudo que o destino mesquinho possa impor. Renata suportou a mãe alcoólatra e o padrasto que tentou estupra-la, ate os doze anos, idade com que ganhou a liberdade de escolher as próprias desgraças e não as que o mundo lhe oferecia.
                Há aqueles que dizem que pau que nasce torto nunca se endireita, mas se Deus escreve certo por linhas tortas, então Renata era abençoada em sua tortura. E foi uma dessas bênçãos que a fez arrumar abrigo e moradia na casa do Desembargador Nonato, que não teve embargos em lhe proporcionar o sustento em troca de auxílio no lar. Com casa e comida, roupa lavada e até uma vaga em escola estadual, quem poderia dizer que o futuro lhe era negro? E não foi, já que ajustes se fazem e quem sobrevive a periféricos deslizes sempre há de traçar caminhos que conduzam aos objetivos. 
                Nonato não era homem de embriaguez, nem de poesia ou virtude, tinha esposa socialite e filhos que estudavam em caras escolas, um coração enorme que abarcava todos a sua volta, inclusive a pura Renata.  E, como todos sabem, quando a generosidade de coração encontra a virtude da sobrevivência, se estabelece o laço que vai se fortalecendo, com o tempo, em pequenas retribuições. O estudo da língua periférica de Renata, era o passatempo preferido de Nonato, quando sua esposa e filhos estavam ausentes em afazeres dos mais nobres: o estudo do capitalismo consumista diante das ofertas de Shopping Center.
                Não se deve deixar de dizer que o sábio Nonato, desembargador de profissão e conhecedor do juízo alheio, nunca se permitiu maiores prazeres que os dados pela, cada vez mais, experiente capacidade lingüística de Renata, que seguia pura em seus dias, que viraram anos.
                Dizem as más línguas, em seus bifurcados venenos, que da língua mais hábil nasce a poesia que embriaga mais forte que o vinho ou destilados. Se não foi em um dia de destilados ingeridos por Nonato a lhe soltar a língua, enquanto Renata e sua língua lhe faziam poesia, foi em algum dia de semelhante embriaguez, que o mesmo deu por conhecer o seu desejo mais intimo: O de, ao morrer, ser cremado e suas cinzas espalhadas nos cantos mais sórdidos de Paris, para que sua alma pudesse partilhar das delícias das Mademoiselles periféricas da famosa cidade.
                Nada é mais embriagante do que o amor confessado nos momentos mais íntimos e qual maior prova de amor que um segredo inconfessável dito à sua amada nesse momento de prazer sublime? Foi assim que Renata, a pura, descobriu-se irremediavelmente embriagada pela paixão ao seu benfeitor, e fez para si a jura de atender-lhe o pedido, custasse o que custasse.
                Irônico destino que mesmo o maior dos corações venha a falhar um dia, se não pela embriaguez de Charles, pelo mal dito de Chagas, sendo de qualquer forma um trágico fim para uma carreira sem embargos. Para Renata, a inconsolável, restaram as lágrimas que lhe eram o legado e nada mais, já que a esposa de Nonato, para não arriscar problemas com o coração, achou por bem não o tê-lo tão grande quanto o falecido.
                Com o pouco dinheiro acumulado ao longo dos benéficos anos de trabalho ao lado do amado Desembargador, conseguiu Renata se manter em quartinho alugado por tempo suficiente para embriagar-se de todas as formas que pôde, na busca do consolo profetizado aos martirizados escravos do tempo.  E seu fim seria breve se não fosse a sua alma periférica, forjada nos limiares entre o bem e o mal, capaz de trilhar caminhos certos por linhas tortas. Um dia, ao ver um anuncio de agência de viagens, lembrou-se de promessa feita e jamais cumprida.
                Não se pode negar que quando o propósito é justo o Destino, ou os Deuses de plantão na vida de quem neles crê, sempre hão de ajudar a concretizá-lo. E desta forma é que Renata conseguiu adentrar ao antigo lar, com as chaves secretas que ainda lhe pertenciam, apropriando-se  de jóias, malas, dinheiro e as cinzas do cremado Nonato.
                Se quem tem boca vai a Roma, quem tem habilidade com a língua vai à Paris com muito mais facilidade, basta ter o desejo e fazer uso deste.  Em pouco tempo Renata, a pura, desembarcava na Cidade Luz.  Novamente a ironia do destino se fez; ao desembarcar a moça foi imediatamente presa por porte ilegal de drogas. Os guardas alfandegários acharam estranho o pó que carregava. Sem conhecer os usos da língua local, com a ilegalidade a lhe perseguir em outras terras, pouco poderia ser feito para escapar ao infortúnio.
                Os mais cínicos dirão que foi fantasma de poeta que interveio, mas a bem da verdade o que deve ser dito é que a virtude alfandegária ao descobrir que embora de Desembargador não havia outro tipo de droga nas cinzas carregadas liberou a moça sem maiores entraves, com sinceros pedidos de desculpas.
                Poderíamos nos estender mais ainda contando sobre as andanças da emissária por locais profanos no cumprimento da sua jura, mas fica para outro momento, deixando apenas a certeza de que, com a habilidade no uso da língua, em terra onde o vinho, a poesia e a virtude embriagam até mesmo o mais nobre dos poetas periféricos, Renata, a puta, não teve dificuldades em encontrar profissão e fazer a alegria dos concidadãos de Baudelaire.
Então, embriaguemo-nos todos, de vinho, de poesia ou de virtude, como nos aprouver melhor, pois é assim a vida!

Sem Título - Baumann


Uma bota borrada de vesgo musgo,
Aquecia os pés da louca donzela de anis,

Com suas melenas de cobras esverdeadas,

E olhar profundo de poço abandonado...

Ela vivia só num casebre de três lados esquerdos,

Sem janelas nem portas...

Vivia cantarolando Mozart,

E dançava com seus amantes imaginários,

A cada dia com um diferente,

Eram tantos...

Poetas...gostava dos poetas,
De seus sussurros em rima doce e suave...
Tinham os marujos...

Rudes cheirando a maresia...

Havia um misterioso,

Não sabia de onde vinha,

Nem o que fazia...

Sempre chegava no silêncio das lágrimas,

Fazia-lhe sorrir e partia...

Assim vivia a louca de anis,

Solitária em seu mundo,

Repleto de adoráveis imaginações...

Baumann (noiTe)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Deus e o Diabo na Terra de Malboro - Danny Marks


Cara, se liga agora no papo reto!
Essa coisa de falá que perifa é tudo igual; qual é, meu? Tá me tirano?
Saca só: perifa tem no plano e tem no alto; tem do bom e do ruim.
Perifa é outro mundo, sem frontera entre bem e mal. Deus e o Diabo fazendo churrasco no mesmo quintal, se liga ai, Mané.
Se for vê de perto vai encontrá os noia, e claro que tem traveco e puta, nas outra zona não tem tamém? Aqui tem pastor do senhor e trabalhador, crescendo lado a lado com as Dama dos doutor, tá ligado? Tem mina direita pra casar de papel passado e tem artista do rebolado.
Só na perifa que cê encontra o pagode e o samba de raiz, conviveno junto com o rock e o rap, o funk pancadão e o batidão da sinfônica, aquele do maestro e do balé.
Aqui a dor se transforma em musica e canção, cada um fala o que tem no coração, de mente aberta e de visão. Não vem com enrolação não, que isso aqui é papo reto. É futebol correndo na veia, é energia na ginga e no rodado, pra encará quebrada feia tem que sê prendado, malandro.
Cada um tem o seu lado, mas não sai da linha que excesso é que cria conflito armado, e a guerra se faz na terra de Malboro. Ai a lei é a da bala que atravessa parede e corpo fechado de santo ou deliquente, que bala não olha quem é gente ou coisa.
Quando o governo não chega junto, quem supre necessidade é que vira autoridade, traz sustento, saúde e educação; ai o malandro do pó fica atuante na situação. É foda, mermão!
Se liga mano velho que julgamento de fora não entra aqui. Nós tem a nossa lei e nossa desgraça, que dança junto com a dos home que faz pirraça, que olha torto pra gente que se encolhe. Nos não escolhe, sobrevive.
Pensa que nós não vê o câncer começano pequeno? Nasceno do meio da pivetada, parece gente na quebrada, mas come as mina e os mano no consumo, vira bicho doido, rouba mata e destrói. Nós vê, mano velho, nos sabe como é. Se pudé pula fora, mas só se tivé jeito na hora.
Na perifa tumém tem moda local, que os pano e as cor representa o pensamento, a identidade. É saia curta e vestido rodado, calça rasgada ou Jens apertado, camiseta e corrente, blusa quente e brinco imitano diamante. Coisa fina, mano velho.
Na perifa tatuagem é na pele e no barraco, bandeira, carteira, documento, personalidade. Entendi, brodi? No documento e na cabeça. Tem que sabe o lado que manda e o lado que respeita, sobrevivência é questão de habilidade.
Pra subi o morro do Rolabosta ou equilibrá no mangue do Caiocú. É nois no DVD e os boy na fita.
Perifa é ginga, é dança, é credo e cruz. É vida e morte que a Jesus conduz. Né Não?!
Se liga ai, mano velho, que pra falá da perifa tem que saí do teu castelo, tem que sabe olha o dragão de frente, como Jorge, santo guerreiro.
Ogum é meu pai e meu protetor, que Deus nosso senhor há de me sustentar quando na quebrada eu andar e se o Diabo atentar no caminho, bebo cachaça de macumba e frango com farofa pra fica forte e levá o tranca rua de volta pro barraco, na paz e no amém que aqui se faz.
Perifa é Deus e o Diabo dançando rock favela apertado em terra de Malboro, que vida se ganha de graça, mas sustento aqui é conquistado todo dia.
Falei, Mané?! Tá dado o recado então.

HERÓIS - Rogério Camargo


Vida pequena tem o grande herói.
Não a que ele viveu, mas a que fica
no que a tola imaginação constrói
e que apenas o recalque justifica. 

Para sanar a pequenez que dói
o contador de histórias retifica
a humanidade dos gigantes e destrói
o bom exemplo de uma vida rica.

Mirar-se neste espelho retorcido
é jamais, nunca ver uma pessoa
naquela sombra em mitos recomposta.

Herói é gente, antes de ser vencido
por esta rapinagem que revoa
sobre toda e qualquer real proposta.

22.08.2011.

FIGUEIRA - Rogério Camargo


Ah, figueira, figueira, esparramada
em galhos como os sonhos de um garoto
que faz um ícone de quase nada
e faz vestes reais de um pano roto. 

Figueira pela luz do sol beijada –
o vento que te brinca, impertinente,
tornando essa manhã mais encantada,
é quase o teu retrato inteligente.

Figueira testemunha da quietude
e do bulício, da paz e da batalha
entre os opostos e entre as convergências.

Vegetal, filosófica saúde,
da tua verde rama não se espalha
apenas nestas belas aparências.

10.08.2011.

Carne no espelho - Lariel Frota


A louca já não chora nem reclama. Sozinha colocou as amarras, as mesmas com as quais tanto lutou para se livrar. Melhor voltar para o escuro. Pelo menos lá não precisa olhar o espelho maldito, onde é obrigada a enxergar aquele pedaço de carne velha e gordurosa,que insiste o velho rei morto, é sua imagem.
Na solidão dos seus dias findos, prefere voltar a ficar escondida na sua loucura, dividida entre as certezas: de que nada valeu a pena, ou que aquele instante ínfimo do calor de um abraço, vai perdurar pela eternidade.
Só que desta vez vai armada, não vai mais cair em nenhuma armadilha. Sem espelhos, sem desejos,melhor terminar a caminhada mergulhada nas sombras.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Meia Noite em Algum Lugar - Danny Marks



            Eu queria poder cortar um sorriso eterno no meu rosto para fingir para o espelho sem esforço. Pintar o mundo em preto e branco da forma como o vejo. Simplificar, esquartejar as palavras em versos que sangram.
            Onde está você? Não percebe que quando mando embora é quando mais preciso que esteja junto? O meu egoísmo dissolvido em copos que bebo na tentativa de dar um sabor a mim mesmo. Objeto de desejo.
            No sexo quero apenas voltar para dentro do útero, inteiro, e nunca mais sair de lá, me agarrar entranhado, impossível de ser arrancado.
            Leva pra longe a sua alegria que ofende a beleza da minha tristeza, quer melhor poesia do que a dor produz? Isso faz de mim um herói? Um exemplo para o mundo? Não quero dividir o meu coração, em pedaços.
            Pode levar as minhas soluções, elas nunca me serviram. Não precisa me trazer os seus problemas que já estou rico de tantos meus. Quem disse que não tenho fartura? Vida caudalosa que me afoga. Eu sem lastro, sem mastro, sem bandeira.
            Dei asas à imaginação que voou pra longe de mim. Alimentei com meu corpo o vazio dos dias até ficar preenchido de nada.
            Antes de pressuposto ter estado acima, cavei um buraco no solo e me lancei a ele para que me abraçasse, mas fui cuspido.
            Queria me lançar da ponte em voo cego, acolher a noite eterna sem medo. Mas temo depois. Maldito que me plantou a dúvida de continuidade sem me dar ao menos a esperança de um final.
            É no jardim de espinhos que planto a minha pele, para secar ao sol que um dia vai chegar, curtida no desaconchego de estar distante, no instante em que me olham, sem nunca terem me alcançado.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

À Noite todos os Gatos são Pardos - Danny Marks


Foto de Dirceu Garcia Junior (http://objetivaesubjetiva.blogspot.com/)
Texto: Danny Marks

À noite todos os gatos são pardos, os sonhos são fartos e o futuro é uma certeza de um amanhecer melhor. Esse era o lema do Pitoca que adorava falar essas coisas para mim e para o Chumbinho.
            O Pitoca era o mais malandro de nós três, embora fosse o mais franzino e o mais novo. Tinha nascido com essa ginga natural dos esquecidos pelo mundo, um sobrevivente quase que inato. O Chumbinho era o oposto, fechado, carrancudo, arrogante, queria ser sempre o chefe de tudo, da turma, do jogo, da vida. E no meio dos dois, eu, o Caveira. Não que eu fosse magro como o Pitoca, ou assustador como o Chumbinho. Apenas gostava de coisas mórbidas, me fascinava o escuro do cair da noite no alto do morro, os urubus sobrevoando alguma carniça jogada no barranco, as vezes um cachorro morto, as vezes o dono. A morte faz parte da vida, para alguns é um meio de vida.
            Molecada onde me criei é tudo assim, nasce com o sol e dorme com as estrelas. Iluminação é do céu, as outras é para quem pode pagar e nas sombras as coisas acontecem sem que ninguém dê conta. Caminhos tortos e tortuosos que vão nos levando, nos afastando.
            Pitoca sonhava ser jogador de futebol, ficar rico, ajudar os pais e a comunidade, jogar capoeira com a meninada e se tornar um grande astro do cinema. Chumbinho só queria se dar bem. Vivia falando das mulheres e dos carrões que teria, uma mansão, um iate igual os que se via na barra, usar terno e gravata, sapato de couro e corrente de ouro.
            Eu só sonhava em sair dali, fugir daquela vida, fugir de tudo. Foi para isso que desci o morro, tentar a vida. Coisa difícil quando se tem pouco estudo e menos oportunidades. Fui batendo cabeça aqui e ali, me fazendo aos poucos. Dos outros nem me lembrava mais. Subir o morro? Só se fosse obrigado. 
            Não, obrigado, sou do plano. Tenho um plano.
            Foi isso que disse pro Chumbinho quando me procurou há alguns dias. Estava encrencado, precisando de grana. Conseguira se fazer na vida sabe-se lá como, estampa na capa de revista, empresário de alguma coisa. Mas o luxo consome mais rápido que o lixo. Ainda assim somos consumidos, consumidores por natureza, usuários alguns, outros apenas de uso ou abuso.
            Me dei bem como investigador, federal, mas só isso mesmo. Vi a foto do Chumbinho e tracei a situação. Quando se vive no meio da sujeira não dá pra manter os pés limpos. Não tinha os meus, nem ele. Só problemas precisam de solução. Apresentei para o Chumbinho a minha. Simular sequestro, dar um golpe na que detinha a grana, apaixonada herdeira de senhor desconfiado, outro safado. Coisa simples de se fazer. Esconder por uns tempos até pagar a grana, dividir no meio o resultado. Ainda mantinha aberto o barraco abandonado. Coisa feita, grana preta, solução a vista.
            Aceitou, o que não se faz pelos amigos? Ganhar dinheiro no mole. Eu dava um jeito de fazer a coisa acontecer, ninguém nem ia saber. Mas souberam. Não todos, só alguns de boca miuda, que falaram para o Pitoca. 
            Amigo que é amigo não abandona na dificuldade, quem ia pensar isso naquela cidade? Que amizade às vezes dura muito, lembranças perdidas por uns e jamais esquecidas por outro? O Pitoca não ficou rico, não se tornou astro de filme, mas ajudava a comunidade. Mestre Pitoca, conhecedor da malandragem, amigo pra toda hora. Tinha que ir atrás do Chumbinho, raptado, coitado. Tinha que vir armado.
            A noite todos os gatos são pardos, que o diga o Chumbinho que ao ver homem armado se aproximando pensou que era algum comando, atirou sem pestanejar. Eu devia ter previsto, covarde nunca gosta de correr risco, nunca subiria o morro sem estar acompanhado do codinome abandonado.
            Pitoca mesmo alvejado, não desistia do seu intento salvador, morar perto do céu por toda vida, dá ideia de redentor. Revidou no tiroteio, sem saber quem atirava.
            O sangue vermelho da noite que avança, as trevas azuis da dança de morte, a vida de quem não tem sorte.
A noite todos os gatos são pardos, os sonhos são fardos e o futuro é a incerteza de alguém descobrir o motivo de se perder dois bons amigos da infância, que poderia ter sido melhor.

DEZ MINUTOS - Rogério Camargo


Sequei o banco e me sentei, contente,
porque o sol voltou e já não chove.
Mas foi por dez minutos, tão somente,
pois retornou a chuva e o que ela move. 

Moveu meu corpo bem rapidamente
a procurar abrigo em outra parte.
Levei comigo a página inocente
onde garatujava minha arte.

Por dez minutos tive um sol bonito,
um banco limpo, a natureza branda
e uma vontade imensa de escrever.

A chuva interferiu no meu escrito
como a mostrar quem realmente manda,
como a provar que ainda não sei viver.

07.08.2011.
ROGÉRIO CAMARGO

A morta - Lariel Frota


Pensavam a ex princesa morta, ela mesma sentia-se assim. Sob o peso de toneladas de adjetivos, substantivos, hifens, parágrafos, travessões, parecia não respirar. O principe outrora encantado, já não se interessava pelas formas arredondadas, aos poucos a pobre se deixou ficar soterrada em sonhos. Um dia no entanto, um caminhante se aproximou, carregou pra longe alguns adjetivos, abanou o rosto sem vida com um leque de substantivos e por um momento mágico abraçou o corpo sem vida. Rompendo o manto maternal e atirando longe a coroa da longevidade, a mulher surgiu repleta de vida e de desejos, ávida por um pouco de amor e loucura, mas foi só uma fagulha de tempo, voltando a se fingir de morta ela aguarda, já não sob tantos adjetivos, o próximo encontro.

Lariel Frota

Fotos do Lançamento de Baú de Cassandra, de Lariel Frota

Para os que não tiveram oportunidade de estar presentes e para os que compareceram ao evento, estou apresentando as fotos do lançamento do livro Baú de Cassandra, de Lariel Frota, uma autora que tive o prazer de conhecer e publicar e que ainda vai dar muito o que falar no meio literário.


























sexta-feira, 5 de agosto de 2011



PEDIDO

Me ajuda a colocar os pés no chão.

A vida inteira fiz que fui morar

nas nuvens, meu castelo de ilusão

mais tênue do que o rarefeito ar.


Me ajuda a ter maior percepção

da fuga de meu verdadeiro lar,

não potencializar a confusão

gerada pela falta de um lugar.


Lugar em mim e não na circunstância

que pode ser, de fato, qualquer uma,

mas desde que não seja o que não é.


Eu não me libertei da longa infância

que das firmezas me deixou nenhuma

onde consiga colocar os pés.


Rogério Camargo


03.08.2011.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Encontro Obscuro - Danny Marks


Foto de Dirceu Garcia Junior (http://objetivaesubjetiva.blogspot.com/)
Texto: Danny Marks

— Obrigado por ter vindo. Eu...
— Não poderia deixar você passar por esse momento sozinho.
— Eu não teria conseguido se não fosse por você, sabe? A morte parece tão...definitiva.
— Era o melhor a ser feito. Ela merecia isso.
— Foram tantos anos juntos... talvez se eu tivesse feito de outra forma...
— Não se culpe. Precisa continuar sendo forte. As coisas vão ficar melhor agora, acredite.
— Espero que sim. Ainda fico pensando que vou encontrá-la em casa quando chego. Daquele jeito, largada em um canto. Obesa. As coisas reviradas e...
— Não pense mais nisso. Acabou. Foi melhor assim. Ela estava sugando a sua vida, não estava mais se cuidando. Não saia mais. Você precisava dar um jeito. Tem coisas que por mais terríveis que possam parecer são o certo a ser feito e...
— Eu me sinto culpado, de alguma forma... Mas você está certa, eu tinha que fazer alguma coisa.
— De qualquer forma ela ia morrer mesmo, era uma questão de tempo. Estava muito doente...
— Não, claro que não. Só estava muito gorda, mas saudável, ou quase.
— Você havia dito que ela tinha câncer!
— Não, que é isso? Claro que não, minha mulher fazia exames frequentemente. Era relaxada com muitas coisas, mas tinha medo de ficar doente.
— Mulher?  Mas não disse que era casado.
— Não disse? Mas todo esse tempo, as coisas que me falou, pensei que...
— Não era a sua gata? Pelo que disse a sua gata estava morrendo e estava pensando no que fazer... Eu sugeri acabar com o sofrimento dela...
— Minha gata? Ela já morreu há dois meses! Pouco depois que começamos a nos encontrar.
— Então... O que você fez?
— Segui a sua recomendação. Dei cabo da minha mulher para podermos estar juntos. Foi isso que me pediu. Não foi?
— O quê?...Deus! Eu... Olha, eu preciso ir ao banheiro...
— Você está bem? Parece pálida. Ei...espere... podemos viver juntos agora. Aquela desgraçada não vai mais impedir a nossa relação... Espere! Eu fiz tudo por amor, eu amo você e...
....
— O senhor deseja alguma coisa mais?
— Não.. Aquela moça que estava comigo...
— Ela acabou de sair pela porta dos fundo. Estava apressada. Acho que foi algo inesperado. Não sou de ficar ouvindo as conversas alheias, mas parece que ela estava com problemas com a polícia, pelo que ouvi falando no celular... Ei, senhor, não vai esperar o troco?

BICHO FEROZ - Rogério Camargo



A solidão e o desespero dela,
a coisa triste, pobre, miserável
onde a beleza morre, se esfarela
e o mundo acaba sendo responsável.

A solidão que aos poucos amarela
as páginas da vida confortável
e afunda como um barco a vela
sem vela, casco ou rumo navegável.

Bicho feroz com dentes afiados,
com garras venenosas e faminto,
sempre caçando os mais desavisados.

Quem não se tem não tem como ter fora
do pessoal, particular recinto
uma presença que já foi embora.

29.07.2011.

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